Tendo por base o soneto ""Enquanto quis Fortuna que tivesse", os alunos de 10.ºano criaram páginas de um possível diário de Camões. Eis algum dos resultados:
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,
Verdades puras são, e não defeitos...
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de
meus versos!
1.
Lisboa, 15 de abril de 1575
Mais um dia que termina e continuo
sem entender a má Fortuna que me assombra diariamente. Terei sido destinado a
tal tormento desde o dia em que nasci? Será que algum dia o irei ultrapassar?
Por muito que tente esquecer toda
esta mágoa, dor e sofrimento, é-me impossível. O Amor é força inelutável, implacável,
uma entidade superior que todos subjuga, a qual não conseguimos evitar… Oh,
quem me dera viver em marés de contentamento, de poder experienciar como todos
os outros a felicidade…! Vivo há tanto tempo em tamanha situação de penúria, de
guerra, de tristeza que a única forma que encontro para a ultrapassar é através
da escrita.
A escrita liberta-me, salva-me de
toda a opressão a que sou sujeito. É a ela que devo o facto de ainda não ter
perdido a Esperança, de continuar a viver neste mundo desconcertado… Ai, que
desespero que sinto! Apesar de ter vivido tão pouco, experienciei tanto… E tudo
se presentifica na minha poesia: um breve livro onde partilho as minhas
experiências, para que todos possam compreender que não estão sozinhos a
enfrentar o Amor, para que todos possam compreender que, tal como eles, eu
sofri e sofro por causa dele…
O que me preocupa é que todos
pensam que o que exprimo em cada poema é fantasia, tolices da minha mente… mas
não são! Tudo o que escrevo é autêntico: são as minhas vivências, a minha
história enquanto ser amaldiçoado pela má sorte. E todos aqueles que, tal como
eu, vivem neste tormento, rever-se-ão na minha escrita e entenderão os meus
versos e a razão pela qual os escrevo.
Surge-me então a questão: devo
continuar a viver esta angústia ou encerrar este meu livro de confissões e de desabafos
para sempre?
Sofia Freitas
2.
Goa, 9 de junho de 1560
Querido livro de desgostos,
Hoje, mais um
dia passou, comigo embrenhado numa tristeza silenciosa. A fortuna, essa
inglória habitante da minha existência, teima em não servir de leme aos meus
voos corajosos.
Os versos já
não me servem de refúgio como dantes. A fraqueza transitou-me do corpo débil
para a alma que ainda resistia aos infortúnios que a tentavam caçar. O Amor,
essa loucura, derrotou-me. Forcei-me a explicá-lo, não fui capaz de o
cantar…não consegui fazer dele a força que me impele a tentar vencê-lo. Manipula-me,
joga comigo como se fosse um boneco de trapos. Deixa-me sempre maltratado e eu
busco-o, de novo, procurando a sensação que, mais tarde ou mais cedo, me será
roubada. Meu breve livro de confissões, hoje, sou forçado a fingir, a mentir ao
papel e a fazer dele um instrumento ao serviço da minha frustração, do meu fracasso.
Hoje, menti
com a minha pena, que tantas vezes me ajudou. Fui mais rato que homem e não
suportei os ardis do ultrajante fado. A pior dor com que vivo já não é a do
desgosto que sinto, mas sim a dor do desgosto que já nem sou capaz de sentir.
Francisco Caetano
3.
Atraiçoou-me
a mente e o corpo o destino que parecia dar alma à minha felicidade. Felicidade
autêntica? Essa que cantei quando tinha ainda esperança
de algum amor - foi, mas já não o é.
Temeu que divulgasse todos os seus enganos,
o Amor, e, por isso, desertou-me o campo de inspiração e cegou-me para que não
encontrasse forma de o expor àqueles que lhe são ainda imunes.
Será que me ouvem? Urge que me
ouçam... Urge que leiam meus versos! Canto-lhes meus dias e minhas vivências,
minha dor e meu sofrimento, que tanto mais compreenderão quanto mais
envenenados estiverem de Amor.
São verdades puras, meus versos, e
não fantasias... Ouvir-me-ão?
Vera Mariz
4.
Goa, 7 de junho de 1572
Caro confidente,
A maior
parte da minha obra gira em torno do amor, esse sentimento ardiloso. Enquanto
quis o destino ludibriar-me com a esperança de ter alguma alegria devida ao
amor e me deixou ter e gostar de ter pensamentos amorosos que não me
provocassem mágoas, tudo fez com que eu escrevesse acerca dos efeitos do amor
(e eu bem sei quais eles são… encarregaram-se de me mostrar essa parte do mundo
antes de deixarem de o agraciar com a sua formosura).
No
entanto, após os seus passos deixarem de ser ouvidos na terra, esse Amor,
temendo que eu, através da minha genialidade poética, avisasse alguém que nunca
tenha experimentado o seu doce toque cortante, decidiu toldar-me a inspiração,
inundando-me a mente de sofrimento e miséria, para que não perpetuasse os seus
enganos e as ilusões por si provocadas no tempo.
Ainda
assim, para não variar, não é apenas isso que me fere a alma. São os
apaixonados que, cegos pelos ledos enganos do terrível Amor, leem o conjunto
dos meus poemas líricos, com casos tão diversos de ilusões amorosas, e os
julgam uma mera fantasia! O que me perturba é saber que há muitos ignóbeis por
aí, que não me entendem e me ridicularizam quando eu sei que não sou o único
que foi cegado pelo doce canto das sereias, antes de ver extirpada toda a carne
de meus ossos por causa do Amor… E, ainda assim, sou eu o ridicularizado por
tentar exprimir a verdadeira face do amor, negra, repleta de diáclases, que
tenta preencher com os pedaços que arranca da nossa alma, do nosso coração.
Mas
porquê queixar-me… Já sei que sou e serei sempre eu contra o mundo, desgraçado
pela Fortuna e principalmente pelo Amor. Só me resta, pois, lamuriar perante
ti, oh meu breve livro de enganos.