sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Oficina de Escrita - 8ºAno (Crónica)

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O típico português
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Em Oficina de Escrita, os alunos redigiram, em estaleiro e em conjunto, uma crónica sobre o típico português. Longe vão os tempos do Zé Povinho, mas há traços que nunca mudam... Aqui fica o resultado por turma:
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O Zé, como típico português que é, há já nove séculos que segue a tradição remota, arcaica e ancestral de comodismo, falta de cultura, ignorância, materialismo e de sedentarismo.
O sagaz lusitano é um espécime em vias de extinção na bela Europa… Ao contrário dos europeus, que já abandonaram a letargia, nós aparentemente optámos por esse rumo.
Somos provincianos e pacóvios, irremediável e eternamente atrasados. Vivemos num qualquer bairro de subúrbio, nos arredores de uma qualquer cidade, de uma qualquer Chelas, Bobadela, Amadora, Ermesinde…Moramos num T3+1, recheado com plasmas, LCD’s, consolas, sistemas de som, computadores Magalhães, frigoríficos, microondas, máquinas de lavar e secar… Tudo pago a prestações…Tudo pago recorrendo ao mesmo crédito pessoal das férias do Algarve ou da viagem a Palma de Maiorca. Tudo pago recorrendo ao mesmo crédito pessoal utilizado para pagar as prestações do Punto Gt e das roupas D&G da Maria e da Tânia Vanessa.
O verdadeiro português ou é Presidente da Junta, ou vive do subsídio de desemprego ou do rendimento social da inserção. O verdadeiro português não suporta trabalhar; vive a arrastar-se pela tasca, pelo centro comercial e apodrecendo no sofá a ver o jogo (sempre acompanhado da fiel cerveja e do fatal cigarro). Aliás, o verdadeiro português só abandona o sofá, após o euromilhões, por razões de estado e de força maior: ou porque é obrigado a deslocar-se vagarosamente ao frigorifico(a Maria não está…), ou porque o Olivais do seu coração joga em casa nesse fim-de-semana.
Só então, ao Domingo, pega no seu Punto, liga o GPS pago a prestações, sintoniza o relato e faz-se à estrada, de braço de fora, palito no canto da boca, barriga a roçar o volante, pronto para insultar o próximo e assobiar (vomitando um piropo) a “brasa” que está a atravessar a rua.
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8B
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Portugal, esse “Portugal tão português”, “à beira-mar plantado”, produz e exporta o que de melhor possui: a ignorância, a falta de cultura, o fracasso, o fanatismo pelo futebol, os “Morangos com açúcar”, o conservadorismo, o consumismo e o comodismo.
O típico português gasta 50.000€ num Mercedes em segunda mão (pago a prestações, claro!), mas não compra o kit de primeiros socorros, porque, segundo ele, é muito caro...
Para o típico português, Domingo sem shopping, não é Domingo. Isto porque no Domingo vai tudo ao shopping, até o cão e a sogra. O cão fica na mala a salivar e cheio de calor à espera do dono. A sogra fica na zona da alimentação, entretida a folhear revistas cor-de-rosa.
O típico português faz os 2 km de casa ao emprego e do emprego a casa de carro e sempre com GPS, para o caso de se perder.
No café, na tasca, na rua, o típico português é o primeiro a criticar o governo, entre o jogo de futebol, a imperial e a sueca. No entanto, jamais lhe passa pela cabeça exercer o seu direito de voto ou queixar-se oficialmente. Aliás, em dia de eleição, o típico português é o campeão da abstenção. Ou está na praia, ou está no shopping
O típico português está sempre nos últimos lugares dos rankings europeus e nos primeiros lugares da corrupção, da crise, do alcoolismo, da obesidade, etc., etc. .
O típico português tem todos os filhos baptizados, comungados, crismados… sem nunca ter posto os pés na igreja!
Ao Sábado à tarde vemos todos estes típicos portugueses (que por acaso somos todos nós…) na praia, com o seu farnel na berma da estrada, a petiscar salgadinhos, panadinhos e coxinhas de frango.
Tudo isto se deve, afinal, à falta de algo que a nossa pequena massa cinzenta lusitana desconhece por completo: cultura...
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8D
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O típico português acorda tarde e a más horas. Arrasta-se até à cozinha, mas pelo caminho tropeça invariavelmente nos trapos espalhados pelo corredor.
Delicia-se com tosta do pão do dia anterior, enquanto assiste ao telejornal no plasma comprado a prestações. Vibra durante 20 minutos com as notícias da selecção nacional, que já conhecia d' A Bola. Em seguida, deleita-se com mais 20 minutos de drama, de tragédia, de horror: desastres de viação, incêndios, assaltos, carjacking, assassínios, corrupção, etc, etc.
Já vestido, tendo desistido de se barbear, deixa o seu T2 pago a prestações e dirige-se à tasca do Zeca. Com o equipamento da selecção, “Ronaldo” nas costas, manchas de suor e nódoas de gordura passeando pela t-shirt de manga cavada, o colar de ouro refulgindo no pescoço; emborca a sua imperial e traga uns tremoços…
Regressa a casa, percorrendo os longos e remotos 2 km no seu Punto (pago a prestações, claro!), de jantes especiais BBS, com a preciosa e indispensável ajuda do GPS (não vá perder-se, devido aos litros a mais!). Pelo caminho, vai palitando os restos, cofiando o bigode e coçando a sua colossal “barriga de cerveja”.
Depois de insultar os transeuntes distraídos e os condutores com que se cruza, estaciona cuidadosamente o carro, certificando-se de que os larápios do bairro não lhe levem as relíquias (o último CD do Tony Carreira, o rosário de Nossa Senhora de Fátima, o pirilampo mágico, a bandeira de Portugal do Euro 2004, já descolorida, as toalhas de praia que forram os estofos, o colete reflector, o peluche e o cachecol da selecção…).
Como verdadeiro lusitano, passa a tarde inteira a atrofiar no sofá, alimentando a obesidade mórbida e ansiando pelo jogo da noite, enquanto a Maria prepara o jantar.
O dia atribulado e cansativo termina finalmente e o típico português, aliviado, suspira, já na cama: “Abençoado subsídio de desemprego e viva o rendimento social de inserção!”.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Concurso de sites e blogues sobre Inês de Castro

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O concurso “Inês de Castro” está na Internet desde segunda-feira para lançar um desafio: fazer o melhor site ou blogue sobre o romance de D. Pedro e D. Inês de Castro. O prazo para as inscrições termina em Março de 2009, numa competição destinada a alunos dos ensinos básico e secundário.
A ideia é reinventar a famosa lenda sobre a paixão do príncipe de Portugal, futuro rei D. Pedro I, por Inês de Castro, filha de um mordomo do rei de Castela. A trágica história – que terminou com o assassinato de Inês, a mando do rei Afonso IV, pai de D. Pedro – serve agora de cenário à competição, numa iniciativa da Fundação Inês de Castro, em parceria com o Plano Nacional de Leitura.
Os sites e blogues – que poderão ser criados por um ou mais alunos – terão de ser acompanhados por, pelo menos, um professor e deverão incluir textos da autoria dos concorrentes. Também poderão ser incluídos outros textos, bem como imagens, vídeos e sugestões de leitura.
As inscrições estão abertas até 27 de Março, altura em que as propostas serão avaliadas para premiar os melhores. Os vencedores recebem, para além de Ipods e Ydreams, um cheque-livros e um fim-de-semana num hotel (Algarve, Coimbra ou Porto).Para poderem concorrer, os alunos têm que estar inscritos no Clube de Leituras e preencher uma ficha de inscrição no site do Plano Nacional de Leitura.
in Público

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Prémio Nobel da Literatura 2008

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O Prémio Nobel da Literatura de 2008 foi atribuído a Jean-Marie Gustave Le Clézio. A Academia Sueca caracteriza o autor francês de 68 anos como “um escritor da ruptura, aventura poética e êxtase sensual, explorador de uma humanidade mais além e na base da civilização reinante”.
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Nascido a 13 de Abril de 1940 em Nice, no Sul de França, Jean-Marie Gustave Le Clézio é um dos nomes cimeiros da literatura francesa contemporânea. Detentor de um estilo clássico e refinado, assinou um vasto catálogo de mais de 50 romances, contos, ensaios, novelas e mesmo traduções de mitologia ameríndia. A obra de Le Clézio evoca as viagens e os contactos com diferentes culturas, sobretudo da América Latina e de África. Espiritual, a literatura do escritor de Nice privilegia os temas do paraíso perdido e a crítica ao materialismo do Ocidente. “O ponto central da obra do escritor desloca-se cada vez mais na direcção de uma exploração do mundo da infância e da própria história familiar”, sublinha a Academia Sueca.
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Le Clézio é formado em Letras e trabalhou na Universidade de Bristol, em Londres. Aos 23 anos foi distinguido em França com o Prémio Renaudot pelo ensaio “Le procès-verbal”. Em 1967, após uma experiência de ensino nos Estados Unidos, partiu para a Tailândia em serviço militar. Acabaria por ser expulso depois de denunciar a prostituição infantil, rumando então ao México. Entre 1970 e 1974, Le Clézio viveu junto de índios do Panamá. Durante os anos de 1970, trabalhou no Instituto da América Latina.
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Fonte: RTP

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Ainda Fernando Pessoa...

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Tomo a liberdade de trancrever o post de ontem de José Saramago, no seu blogue, sobre Fernando Pessoa. É dos grandes textos sobre o drama pessoano:


"Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Com um movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou fundo com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E porque estes, Fernando e a imagem que não era a sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis”. O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo a seguir outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspecto de quem não vai ter muita vida para viver. A Fernando pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro”. O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não há duas sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente tinha-se cansado de ter sido tantos em tão pouco tempo. Nessa noite, madrugada alta, Fernando Pessoa acordou a pensar se o tal Álvaro de Campos teria ficado no espelho. Levantou-se, e o que estava lá era a sua própria cara. Disse então: “Chamo-me Bernardo Soares”, e voltou para a cama. Foi depois destes nomes e alguns mais que Fernando achou que era hora de ser também ele ridículo e escreveu as cartas de amor mais ridículas do mundo. Quando já ia muito adiantado nos trabalhos de tradução e poesia, morreu. Os amigos diziam-lhe que tinha um grande futuro na sua frente, mas ele não deve ter acreditado, tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho havia no quarto. Este Fernando Pessoa nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem somos."

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Pessoa(s) - 12ºAno

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Fernando Pessoa (ante)visto pelos alunos
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O Lusografias alargou novamente o seu âmbito a outras turmas e respectivas professoras. É a vez do 12ºano. Em Oficina de Escrita, foi solicitado aos alunos que antecipassem e tentassem sondar a dimensão e a alma de Fernando Pessoa. Eis o resultado:
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Repudiei sempre que me compreendessem. Ser compreendido é prostituir-me. Prefiro ser tomado a sério como o que não sou, dizia.

A complexidade física e poética de Fernando Pessoa sempre acompanhou a imagem que guardo daquele que é o maior poeta português do século XX. Uma sufocante sede de normalidade, que tentou saciar toda a sua vida, em vão. O entendimento (demasiado) profundo da alma e da realidade do Homem racionalizou-lhe o coração e consciencializou-lhe a ingenuidade.

Penso, logo existo, diria Descartes? Ah! Pessoa viveu a pensar e levou uma existência despercebida na sociedade do seu tempo. Foi um rasgo desintegrado de genialidade. Levou uma vida social apagada, excluído biologicamente pela anormalidade pensante do seu coração.

Eu sempre o imaginei sozinho. Num quarto despido e impessoal, no centro de Lisboa. Uma secretária. Uma garrafa e papel, onde se buscava em heterónimos e em palavras. Onde racionalizava sentimentos e procurava, em vão, a felicidade ingénua da inconsciência. E ele fascina-me sempre e, de cada vez que o leio, aumenta em mim a vontade de o conhecer intrinsecamente, por dentro. De sentir exactamente o que Pessoa sentia. De perceber o que foi para ele sentir-se ser desconforme, ao querer renegar o que tantos procuram alcançar durante toda a vida - o entendimento profundo da alma e do Homem.
Mas não. Fernando Pessoa não se prostituiu. Jamais.

Inês Viterbo 12ºD


Num outro momento, os alunos partiram de uma citação de António José Saraiva:

“Fingir a dor que deveras sente: este enunciado resume o problema essencial da literatura. A dor sentida é a realidade, o seu fingimento é a literatura.”, António José Saraiva, in “Ser ou não ser arte”




Lisboa, 15 de Setembro de 1910

Desiludo-me. Por muita razão que tenhas quando me dizes que “a palavra é a arma mais poderosa de todas”, apercebo-me de que há dores que não se dizem. Mesmo tendo eu esse “domínio manipulador das palavras”, de que me falavas.
Tudo isto é um fingimento. A literatura é fingimento. As palavras são insuficientes – morrem na praia do que sinto – e todos estes floreados, a mim, parecem-me fictícios, não atingem plenamente a expressividade que quero dar-lhes. E que “sujeito poético” fingido que eu devo ser, não?
Ora essa! Não compreenderão o que digo, porque não me compreendem e, portanto, não sentem a minha dor. Talvez reinventem a dor inventada de um sujeito poético que não passa de uma invenção deles!
E se eles não sentem a dor que eu senti, meu caro amigo, nem sequer a que passei para o papel, de que se trata tudo isto, então? De um fingimento. Que nunca atingirá a pureza do sentimento original. Por minha culpa – que alimento este desejo de racionalizar-me -, por culpa das palavras – que não se bastam -, e por culpa deles – que querem compreender-me.

Fernando Pessoa (por Inês Viterbo)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ainda Machado de Assis...

Recebi, por mail, um texto interessante sobre Machado de Assis, enviado pela Drª Auxília Ramos:



É quase impossível passar hoje por uma livraria brasileira sem notar o destaque dado a um escritor que muitos em Portugal apenas conhecem de nome. Não se trata de Jorge Amado nem de Graciliano Ramos. O homem que tem obras em todas as vitrines usava óculos e bigode. Era filho de uma lavadeira açoriana e de um pintor mulato, por sua vez filho de escravos. Chamava-se Machado de Assis (1839–1908) e há uma quase unanimidade da crítica em apreciá-lo como o maior escritor de sempre da grande nação sul-americana. Harold Bloom considera-o «até hoje, o supremo escritor de origem negra». Agora, que se assinala o centenário da sua morte, ocorrida a 29 de Setembro, há escaparates inteiros com os seus livros. Há exposições nas bibliotecas. Por toda a cidade do Rio de Janeiro, onde Machado nasceu, viveu e morreu, há cartazes e bonecos de pano que o representam e chamam a atenção para as suas muitas reedições, biografias e estudos.
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Machado viveu momentos de grandes mudanças. Viveu o fim da escravatura no Brasil e a implantação da República. Protagonizou a transição do romantismo literário para o realismo. Nesse percurso, criticou o romance Primo Basílio, de Eça de Queirós, vindo-se depois a arrepender de outras críticas ao escritor português. Na realidade, Machado foi homem de poucas polémicas, preferindo intervir pela subtileza da sua criação literária — onde há muito a ler, nas linhas e nas entrelinhas.
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Entre as formas de homenagem que os brasileiros escolheram há a reposição de uma peça de teatro quase desconhecida — a última do escritor. É a Lição de Botânica (1908), uma farsa em que um cientista rigoroso tenta evitar uma jovem enamorada, por achar que não há espaço no seu coração para dois amores. Dividido entre a ciência e a paixão, queria resistir à segunda para melhor se dedicar à primeira. Imagina-se que perderá a batalha.
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Na Casa de Ciência da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, um extraordinário estabelecimento de investigação científica na periferia do Rio de Janeiro, a farsa é representada para deleite dos espectadores jovens. No final discute-se a visão de Machado, que insistia na necessidade de concórdia entre a razão e a emoção.
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Se esta peça de teatro é uma das obras menos conhecidas de Machado, já a segunda discutida pelos brasileiros neste âmbito de comentário científico é uma das mais lidas — e uma das mais consideradas. Trata-se do conto ou novela O Alienista (1882), em que um alienista, ou seja, um médico de loucos, resolve tratar por métodos pretensamente científicos todos os habitantes da sua cidade. Ao longo das cinquenta páginas da ficção, Machado ridiculariza a pretensão cientifista então em voga no Brasil.
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Os positivistas brasileiros, que tiveram um papel determinante na implantação da república em 1889, eram seguidores do filósofo francês Auguste Comte e pretendiam gerir a sociedade e moldar a mente humana por métodos ditos científicos. Era a ambição de tudo submeter ao racionalismo extremo, que transforma o desejo de progresso na recusa da diferença.
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Se o leitor não conhece Machado de Assis, O Alienista é uma obra excelente para começar. Daí siga directamente para os romances mais conceituados: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro. Mas se quer uma opinião pessoal, não perca, sobretudo, o extraordinário Memorial de Aires...
«Expresso» de 27 de Setembro de2008.
Nuno Crato