segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Mais crónicas - 10ºAno

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O Único que não Festeja é a Carteira
(Mariana Fernandes)
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A temperatura desceu, as folhas começaram a cair e os casacos já estão no armário. É oficial: a época festiva que todos adoramos, o Natal, está cada vez mais perto e a lista dos itens “necessários” para aproveitar a ocasião já começa a ser pensada.
Novas luzes, nova árvore, o presépio, o bacalhau… E os presentes, os presentes que, de acordo com a tradição, deviam ser partilhados apenas com os mais próximos e que agora são distribuídos por todos os conhecidos: a vizinha, o vizinho, o amigo da prima e até a senhora que, todos os dias, nos serve o café.
Novo. É engraçado como de um ano para o outro existe uma necessidade inevitável de renovar todo o “stock” do ano anterior, ainda que aquele esteja em perfeitas condições… Todos os anos são utilizados os mesmos argumentos, tais como “Temos de mudar a cor das decorações”, até “Aquela árvore é mais verde!”. Tudo para justificar gastos absolutamente dispensáveis. As tradições até podem ser sempre as mesmas, mas arranja-se sempre maneira de “inovar”. Uma falsa indispensabilidade de obter novos utensílios, de substituir as luzes XPTO pelas XPTA…
Como é óbvio, os que saem mais satisfeitos desta época são os estabelecimentos comerciais, mais conhecidos por “shoppings”, e as lojas onde são despejados milhares de euros por ano… Tudo ajuda: do clima (está frio, por isso que lugar melhor que um “shopping” para te refugiares) até ao “efeito de grupo” (a influência provocada por todos estarem a fazer o mesmo).
Todos os anos entro no “shopping” nesta altura e confesso que tudo é apelativo: lojas com cartazes a anunciar descontos no preço, crianças a tirar fotografias com o Pai Natal, que provavelmente muda de vinte em vinte minutos… Faz tudo parte da tradição natalícia.
A sociedade já está tão envolvida neste “negócio”, que nem se apercebe de que os originais costumes começam a desvanecer-se e dão espaço a novos…
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Os jogos estão como nós… violentos!
(Pedro Silva)
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Ainda há poucos dias entrei na Fnac do Norte Shopping e, como de costume, encontrei um rapaz de 17 anos literalmente “colado” ao ecrã de televisão a jogar Guitar Hero 5. Mal olhei para a cara dele, lembrei-me de que o tinha visto há sensivelmente uma semana atrás, no mesmo sítio, a fazer a mesma coisa, o que não me espantou.
Indiferente à situação, passei por ele, fui ver as novidades e encontrei um estranho exemplo de junção de géneros: o típico jogo para crianças aliado à pura violência. O jogo chama-se Naughty Bear e o protagonista é um ursinho aparentemente simpático que é influenciado por um narrador britânico com sotaque carregado a matar os habitantes da sua vila, pois estes gozam com ele por não ter sido convidado para uma festa de anos de um outro ursinho. Como podemos calcular, o Naughty Bear tem várias de formas de aniquilar os seus inimigos, desde espancá-los com um taco “baseball” até decapitá-los com um machado.
Pousei o Naughty Bear no sítio e peguei noutro jogo, sobre o qual, por acaso, já tinha lido, de nome Dead to Rights: Retribution, que se passa na fictícia cidade de Grant City. O jogo consiste matar criminosos aos tiros ou, se nos apetecer, fracturar uns quantos braços e umas quantas pernas. Ao recordar o enredo, fiz cara feia e guardei o jogo na prateleira ao lado de Red Dead Redemption que, já agora, é um excelente jogo. Mas enquanto pousava Dead to Rights, veio-me à cabeça a brutal quantidade de violência que nas empresas de jogos de vídeo, tais como a Ubisoft (Assassins Creed, Prince of Persia), a Roadstar (todos os GTAs), a Namco Bandai (Dead to Rights, saga Tekken), entre outras, nos enviam, o que leva muita gente a pensar que os jogos de computador e de Playstation são os principais causadores de violência na rua. Na verdade, muito antes de os jogos aparecerem, os roubos à mão armada e o “carjacking” já existiam.
Quando acabei a minha reflexão, olhei para o relógio e reparei que já era um pouco tarde. Então, decidi dar meia volta e, enquanto caminhava para a porta de saída, olhei para a minha esquerda e deparei-me com a secção de séries e filmes. Pensei: “Fica para a próxima.”
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Bela Vista (ou não…)!
(Maria Inês Castro)
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Há pouco tempo foram-nos dadas a conhecer as novas medidas de austeridade para, entre outras coisas, tentar que o sexto lugar que ocupamos no “ranking” de probabilidade de bancarrota baixe, quem sabe, com sorte, para o sétimo.
Acho que devíamos recordar que, nos debates para as eleições legislativas, José Sócrates garantiu que não iria subir os impostos. Não é engraçado que agora, como Primeiro- Ministro, faça exactamente o contrário daquilo que prometeu? No entanto, já estamos habituados às constantes mudanças de opinião do Senhor Primeiro-Ministro, portanto esta alteração de ideias não espanta nenhum de nós…
No que toca à sustentabilidade das contas públicas, o Senhor Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, tinha vindo a fechar os olhos e a “chutar para a frente”. Mas, finalmente, apercebeu-se de que já não há mais nada “lá para a frente” – chegámos ao limite!
Porém, esta valente crise económica parece até nem afectar muito os portugueses. É um pouco estranho, em plena crise, assistirmos a autênticas inundações de pessoas nos centros comerciais. Portanto, provavelmente, estas medidas de austeridade não serão muito difíceis de cumprir: a população vai receber menos, com o corte de cinco por cento aos salários da Função Pública; vai trabalhar mais, através das horas extraordinárias; e vai pagar ainda mais, com o aumento de dois pontos percentuais do IVA. Ou seja, se analisarmos bem, o dinheirinho que gastariam ao comprar um perfume da “Burberry” vão gastá-lo exclusivamente para o Estado.
Por fim, “quando ideias republicanas como a descentralização permanecem há um século sem cumprir, quando a Justiça não funciona, quando se pressente que o serviço público é tantas vezes trocado pelo interesse pessoal ou partidário, corre-se o risco de essas palavras se tornarem vagas e sem utilidade.” (Público, 1 de Fevereiro de 2010)
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Teledependência – A Peste do Século XX
(Catarina Teixeira)
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Durante séculos, a humanidade viveu sem o contacto à distância. Ora, nesses tempos em que tudo se resolvia e negociava “frente a frente”, quando os diferentes povos se desconheciam e não mantinham qualquer tipo de relação, era para eles impensável que um dia mais tarde todo o mundo fosse fortemente afectado pela febre tecnológica que hoje nos envolve. Para um índio de uma tribo na América do Sul, há quinhentos anos atrás, era inconcebível que no futuro pudesse vir a conhecer um comerciante veneziano, e muito menos manter o contacto com ele num raio superior a meia dúzia de quilómetros.
Por outro lado, com o passar do tempo, o mundo tornou-se numa pequena aldeia com a ajuda da grande invenção do século XX – o telemóvel – que, particularizando o caso europeu, é provavelmente o aparelho mais utilizado pelas novas gerações. Para todas as ocasiões se utiliza este pequeno prodígio tecnológico… Se o tal empresário chileno e o banqueiro italiano (agora evoluídos) quiserem estabelecer algum tipo de negociação, não faltam alternativas para o fazerem, sem terem de arredar pé dos seus doces lares. “Call me Mr.Giordano”, e o assunto está resolvido. Enquanto isso, os respectivos filhos mais velhos provavelmente já foram colegas num campo de férias promovido pela Universidade de Oxford e as ligações nos “chats” virtuais são constantes.
Assim, do modo como este “pequeno” globo está absorvido pela dependência telefónica, não admira que daqui a uns anitos nos seja possível clicar num botão a qualquer hora do dia para mudarmos de localização geográfica em poucos segundos.
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Uma viagem à decadência
(Tomás Silvestre)
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Saio à rua como um mero cidadão em busca de algum tempo para mim. Sento-me num simples banco de um qualquer parque e observo… Adolescentes da revolução tecnológica debatem-se freneticamente com as teclas (ou ecrã táctil porque agora tudo é “touch”) do seu telemóvel. De dois em dois segundos retiram-no do bolso e fazem expressões de desespero ao ver que não têm nenhuma mensagem (a este ponto penso que o conteúdo desta é já irrelevante). Pouco tempo depois, desistem de o pôr no bolso. Realmente, qual é a lógica de o colocar lá se o vou tirar dali a nada?
Outra das minhas espécies favoritas é a dos “pseudo-businessmen”. Estou a falar dos importantíssimos cavalheiros que andam na rua a passear o seu “Blackberry” sem qualquer motivo para o usar. É o que eu chamo uma questão de pinta. Esta marca milionária tem um certo “je ne sais quoi” que atrai os indivíduos mais fúteis que vivem na base do “show off”.
A classe mais preocupante, no entanto, é a dos viciados. Estou a falar do típico tuga que tem um telemóvel por cada tarifário, apenas para demonstrar o quão social é (mais uma vez, a questão reside no “show off”). Este comportamento quase animalesco de competição do género sou-o-maior-porque-tenho-mais-amigos-que –tu predomina na juventude portuguesa de uma forma assustadora. A dependência, aliada à falta de educação, causa incidentes por toda a parte em escolas do país. Penso que as palavras de ordem são “Dá-me o telemóvel, já!”
Regresso calmamente a casa, alheio à invasão. Regresso a casa (sim, sem estar com o telemóvel ao ouvido) e escrevo uma pacata e arcaica carta a um amigo meu da Rússia. Há tradições que permanecem.
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(Textos enviados por Hélder Moreira)

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