quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"O filme do Desassossego", de João Botelho

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No último sábado, 9 de Outubro, às 21h00, os alunos do 12º ano, acompanhados por alguns professores, assisitiram, no TNSJ, à exibição do "Filme do Desassossego", de João Botelho. Deixo o testemunho de um aluno:
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O FILME DO DESASSOSSEGO

No início do século XX, Bernardo Soares, semi-heterónimo de Fernando Pessoa, escreve o
"Livro do Desassossego". Quase um século depois, João Botelho entrega ao público a sua perspectiva da obra, sem receios ou assombros. Não seguindo uma narrativa coesa, o filme não tem o objectivo de apresentar uma história, sem fracturas ou paragens. Ele é o resultado de fragmentos soltos da vida de um solitário deambulante.

Bernardo Soares

Coxo e com bigode, ele é a figuração superficial de uma personagem de consciência profunda que, dificilmente, seria melhor caracterizada com outro actor. Corrigia o seu claudicar com um simples guarda-chuva, não querendo, contudo, mascará-lo com as adversidades metereológicas. Fugazmente, rabiscava num papel o que o inquietava, o que lhe retirava o sossego que nunca fora seu. Parcialmente misantropo, Bernardo Soares refugia-se na sombra das conversas, gosta de «medir» o ser humano, mas não contactar com ele. Cláudio da Silva é simplesmente natural no papel que desempenha. Não fosse a existência de uns quantos anacronismos, deliberados, e o espectador sentiria estar a ver Bernardo Soares em pessoa/Pessoa.

O poder dos sentidos

Cenas brilhantes, intermináveis e complexas falas, personagens irreverentes e domadas pelos vícios do quotidiano, é assim que, incompletamente, caracterizo esta produção. João Ribeiro, director de fotografia, desenvolve um trabalho harmonioso, produzindo cenas de uma magnitude visual arrebatadora. Tudo é genial, as sombras, as luzes e a combinação das diferentes tonalidades; é inquestionável a alma que este homem trouxe ao filme. A perplexidade torna-se contagiante na plateia, à chegada de um novo momento, cada um com uma genialidade própria, imerso nas palavras que adornam as falas e nas cores que pintam a tela. As caracterizações das personagens, dotadas de uma importância capital, falam por si só: as rugas vincam um carácter austero, os lábios pintados de um vermelho quente provocam no espectador uma sedução mais imediata e real, enquanto a nudez faz com que o espectador sinta o despertar das pálpebras.

Alguns aspectos

Por vezes, o ser humano perde-se em vícios marginais à essencialidade da vida e João Botelho tende a reforçar esta realidade no filme. A libido e as drogas atacam repetidamente o consciente, atrasando o nosso pensamento, enchendo-o de um prazer falso e dissimulado. Ainda assim e, respeitando o corpo do livro, vão aparecendo algumas cenas soltas que espantam, pelo seu forte significado e impacto, a plateia. Somos, entretanto, apaziguados por alguns interlúdios musicais - com a participação fantástica de Carminho ou de Ricardo Ribeiro, ambos em destaque. A força da voz apura o nosso campo sensorial e prepara-nos para mais uma "overdose" de metáforas e paradoxos.
Provavelmente, a presença de legendas ajudaria a uma melhor compreensão do filme, a fixar o conteúdo das palavras pronunciadas, por vezes longas e insignificáveis, porque somos tentados a decifrar o seu propósito da mesma forma como analisamos um poema. Só que em frente à tela, temos apenas céleres segundos para esta operação e não somos auxiliados pela caneta nem pelo papel. Assim, perdemos alguns momentos (sufocados pela grandeza das imagens) no emaranhado fio da narrativa e arrisco a pensar que é impossível tal não acontecer, com a maior parte dos espectadores.
Recomendo, vivamente, esta belíssima peça de arte do cinema português. Com a merecida atenção, o espectador embarcará no universo pessoal de Fernando Pessoa, enquanto mente criadora e desassossegada. O melhor será também aventurarmo-nos no "Livro do Desassossego", o que tentarei fazer num futuro próximo.
Francisco Gomes, 12º D
(Texto enviado por Auxília Ramos)

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