domingo, 27 de novembro de 2011

Ainda a feira do livro



Uma viagem pela irreverência de “Ilha Teresa”

Richard Zimler regressou ao CLF, na passada quinta-feira. Acabado de chegar da Polónia, para onde viajara numa peregrinação editorial, com um notório cansaço, mas com o mesmo entusiasmo de quem vibra com leitores mais jovens, o escritor partilhou com todos os presentes a profunda emoção que sentiu ao visitar, pela primeira vez, a cidade natal dos seus avós, ao entrar na casa que lhes pertencera e que resistira à destruição do exército nazi, ao percorrer as mesmas ruas onde o seu avô correra e brincara… Uma indizível comoção contagiou o silêncio do auditório.


Interpelado pelos alunos sobre o seu mais recente romance “Ilha Teresa”, Richard Zimler falou sobre Teresa e Angel, os dois adolescentes que, desenraizados do seu país de origem, reagiram, cada um à sua maneira, a uma nova vida na “big Apple”.


Confessando uma inegável simpatia por Teresa, o romancista deixou-se contagiar por essa cumplicidade, colando-se perfeitamente à pele da protagonista. Interrogado sobre a eventual dificuldade na passagem de um percurso de raízes históricas, como acontece em “Os anagramas de Varsóvia”, para o percurso próprio de uma adolescente irreverente, sarcástica e intolerante, Richard Zimler simplesmente referiu que esse processo esteve, à partida, facilitado pela sua igual condição de “emigrante” – “a vida de Teresa é a minha vida ao contrário”.


Para quem ainda não lera “Ilha Teresa”, a célebre canção dos Beatles “Strawberry fields” que encerrou a conversa com o romancista pareceu ter criado um entusiasmo contagiante nos alunos de 10º ano. Ficam algumas imagens como testemunho desse encontro.







Auxília Ramos



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(…) Tenho de te confessar que não conhecia o Pedro Sinde – e eu até tenho revolvido bastante a bibliografia pessoana. Fiquei muito interessado pela maneira como ele lê Pessoa (pelo que percebi, e eu não assisti a tudo, numa perspetiva filosófica, de cariz humanista). Fico com a impressão de que a abordagem contida no programa, excessivamente ligada aos estudos do Jacinto Prado Coelho e, por vezes, à perspetiva biografista do João Gaspar Simões, pode dar aos alunos uma visão redutora das dimensões do universo pessoano. Achei muito positivo que eles tivessem contactado com uma perspetiva diferente e, sobretudo, pessoal. É importante que os alunos percebam que Pessoa é inesgotável ou até ilegível, precisamente porque se plasmou, em escrita, na multidimensionalidade de leituras que tudo o que nos rodeia (e todos os que nos rodeiam) permite; que o texto-Pessoa mima a própria condição errática da leitura/ interpretação da realidade. A meu ver, a sua obra começa onde todas as grandes obras começam: na perceção de que tudo é efémero e na constatação da morte. O que ele introduz é uma visão formal (esteticamente fundada a partir de uma teorização da linguagem) do problema (e daí as acusações, por parte de Pascoaes, de excessiva racionalidade). Para os alunos, o importante é perceber que Pessoa inventa um jogo que a linguagem permite (que está inscrito nela) e que esse jogo reproduz a subjetividade na nossa perceção das coisas, das formas, dos outros. Por isso, o Pedro Sinde tem toda a razão quando fala da necessidade de abraçar hermeneuticamente o diálogo entre os heterónimos e quando reforça a ideia de que Fernando Pessoa ortónimo é, ele próprio, um heterónimo. (…)

Hélder Moreira

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Crónica | 10ºAno

Publicamos uma seleção de textos produzidos pelos alunos de 10º ano, na sequência da leitura da crónica de José Eduardo Agualusa "Quero nascer mais vezes" e cujo início é "Ao meu pai roubaram-lhe as mãos." Tendo como mote este início e como desafio de escrita uma imagem do filme do realizador russo Andrei Zvyagintsev (em anexo), os alunos produziram breves crónicas.



1.


Ao meu tio roubaram-lhe o talento. E nada pior poderia ter acontecido a um poeta, como ele. Um poeta necessita de momentos de inspiração, fluidez com a caneta, capacidade de se abstrair do mundo e escrever o que lhe vem da alma. O meu tio, não possuiu nenhuma dessas qualidades.

Sempre disse que era um poeta, desde pequeno, segundo conta a minha mãe. Diz isso com orgulho, convicção e um brilho fascinante nos olhos, “Eu sou um poeta”. Contudo, logo a seguir, o brilho dos seus olhos desaparece e uma nuvem depressiva surge na sua face, à medida que se apercebe que não tem talento. Acorda dessa ilusão e apercebe-se que nunca escreveu boa poesia.

É pena, porque até acho que daria um bom poeta. Fascina-se com os belos poemas, o ritmo dos versos, a eloquência das palavras. Consegue recitar versos de todos os autores que eu conheço. Fala como um poeta, veste-se como um poeta, pensa como um poeta. Parece-se mesmo com um poeta. A única diferença entre ele e um verdadeiro poeta é que não consegue escrever.

Acho que vai dar aulas duas vezes por semana a uma escola qualquer. De resto, passa o seu tempo em casa, a olhar para o teto, à espera que a inspiração divina lhe traga o poema da sua vida. O poema do qual ele está sempre a falar, que lhe dará projeção e prestígio. “Esse poema”, diz ele, “será o meu legado à humanidade, a minha obra prima que me colocará junto dos grandes poetas universais”.

Assim, ele espera, dia após dia, mês após mês, ano após ano, pelo seu m momento de inspiração. Na minha opinião, por muito que goste dele, esse momento nunca chegará.
Duarte Magano


2.



A Natureza roubou-lhe o talento, mas encheu-o cruelmente com o desejo de escrever boa poesia, deixando no seu coração uma tristeza e frustração profunda por não ser capaz.
Ao meu sonho roubaram-lhe o endereço. Sou confrontado inúmeras vezes com o destino já eleito para mim. O objectivo da minha família é constante: tirar um curso, de preferência medicina, advocacia, etc., para ganhar muito dinheiro e “ser alguém na vida”. Os meus sonhos são condenados, as minhas ambições são esquecidas e o que eu quero para o meu futuro é censurado. Não se trata do que eu quero, mas do que querem para mim. Não me é permitido escolher outro rumo para a minha vida. Ouço constantemente: “um dia ainda me vais dar razão”. Será que sim? Só quero ir ao encontro do meu sonho, não quero que tracem o meu destino, quero ser eu a traçá-lo. Não me é permitido desobedecer, apenas cumprir os meus deveres. Só queria por momentos esquecer tudo, olhar em frente e reflectir acerca do que realmente quero para mim, sem ter receio de olhares desiludidos. Quero ser livre. Talvez seja piloto, para voar para fora das rotas que me querem. Estou perdido. Não sei se devo desobedecer àquilo que cuidadosamente foi previsto para mim, sem ter qualquer voto na matéria, ou se deva libertar-me desta rede de pensamentos e mentalidades. Esta opção não só não é tolerada, como também não pode ser colocada. A minha vida é dominada. Resta-me cumprir esta pena, não tenho armas para combater esta guerra.
Hugo Franco, 10A



3. ACIMA DE TUDO VIVER


Ao meu pai roubaram-lhe a vida. Nunca compreendi. Um dia perguntei, mas ele não falou. Hoje já percebo tudo, o olhar triste que tinha, a voz serena que exprimia.

Era eu ainda pequeno quando o meu pai, segundo o que me relatou a minha mãe, teve um acidente. Dizia-me ela: sabes, o teu pai não pode andar, pelo que tens de ajudá-lo! O meu pai ficou paraplégico e nada aconteceu ao outro condutor. Não compreendi na altura por que ele estava triste, mas agora sei. Percebo o que é olhar para o mundo e não o poder viver, ver os outros e não os acompanhar. Percebo por que estava sempre triste e a razão da sua resignação. Não queria lutar. Compreendo tudo o que sentiu. O meu pai morreu há pouco mais de quatro anos, quando, desistindo da vida, decidiu partir. Ousou sobrepor-se ao poder de Deus e pôs termo à vida. Não o fez sem antes me deixar uma carta escrita sobre o sofrimento que tinha, o desgosto que sentia de não ter podido acompanhar-me nas brincadeiras e nos sonhos. Pena tenho eu de não lhe ter dito que o seu coração era maior que o mundo e que por isso superava tudo.

Ele não quis viver e não o condeno. Entendo as suas frustrações, as suas mágoas o seu vazio e a sua falta de esperança, pois, na verdade, a situação que era a dele é agora a minha.
José Diogo Chaves


4. Há dias assim

Ao meu amigo, roubaram-lhe o sonho. Jamais saberei porquê nem como… Planeava viajar por esse mundo fora, sofrer e vencer, conhecer e ser conhecido.

De um dia para o outro, deixou tudo o que estava planeado e, cabisbaixo e melancólico, caminhou até ao mar. Eu estava sempre a seu lado, éramos inseparáveis, amigos para a vida e para a morte. Chegando ao porto dos pescadores, nem sequer abrandou o passo para admirar a azáfama dos que voltavam da faina. Uns levando apenas o suficiente para se sustentarem, outros transportando tudo o que haviam pescado para vender na lota, os pescadores costumavam ser alvo da admiração do meu amigo. Ele ambicionava ser, em parte, como eles, enfrentando os perigos do mar e regressar vitorioso. Um pouco como Ulisses.

Naquele dia, tudo estava cinzento e triste. O meu amigo caminhava, sem parar, sem tirar os olhos da calçada. Chegados à praia, estacou e pôs-se a fitar o mar, contemplando-o em todos os pormenores. A ondulação agitava-se como uma manada de cavalos selvagens, as aves recolhiam a terra, o céu ia escurecendo aos poucos. A tempestade aproximava-se, mas o meu amigo nem estremeceu. As nuvens acumularam-se e foram ficando cada vez mais carregadas. Subitamente, iniciou-se o dilúvio. Eu queria sair dali e ir abrigar-me, mas não abandonei o meu amigo. Parecia que ele queria travar um duelo com a tempestade. A trovoada começou a tocar os seus tambores. O meu amigo continuava ali, imóvel, enfrentando o mar com o olhar.

Após este singular duelo, veio a bonança. O meu amigo vencera. O sol irradiava a terra de novo. O meu amigo, pela primeira vez nesse dia, sorriu. Renascido, voltou para casa, assobiando uma alegre canção capaz de causar inveja à ave mais melodiosa. Há dias assim…
António Pedro, 10A

5.



Ao meu mundo roubaram-lhe a paz. A vivência alegre e livre já vai longe. Agora, ao simples clicar de um comando, a televisão traz-nos notícias tristes. É como o vento ou a frieza da neve que nos invadem e nos mostram o lado insensível da natureza humana.

Outrora não era assim. Possivelmente porque não era tão fácil, não estava tão ao alcance da mão. E era assim que nos ficavam na memória imagens inocentes, ingénuas, cândidas, até.

Mas os tempos mudaram! O ritmo é acelerado, uma corrida infernal em que apenas as catástrofes e a violência se fazem ouvir. É da crise, é do stress... como se todas essas coisas tivessem vida própria para nos atormentar o espírito.

Os tempos já não são de modas!

Andamos ao toque da caixa de televisão que nos traz as notícias. Ao menos, por vezes, há futebol e o Porto ganha. “Venha um copo mais”. O meu amigo do lado esquece tudo, e a tristeza, mesmo que por breves momentos, desaparece. É do tempo!

O tempo tem muitas caras. E valem-nos os intervalos em que chegam notícias boas. E o meu amigo insiste: “ O tempo é como o mar – vem e vai como uma onda”.

Sempre ao alcance de um clique podemos parar, deitar para trás das costas a tristeza e acabar o último copo enquanto o meu colega do lado se entusiasma em mais uma jogada de futebol.

“Vale-nos que o Porto ganha”.

É dos tempos... dos novos tempos!
Gonçalo Magalhães

6.


Ao meu irmão roubaram-lhe a escrita. Rapaz solitário, refugiava-se em si mesmo numa tentativa de escapar à sua vida que, apressada, o arrastava numa rotina frustrante. O meu irmão escrevia. Transcrevia sentimentos, mágoas e angústias, medos e esperanças, alegrias e desilusões, tudo isto num pequeno caderno preto que guardava, por entre aquelas linhas estreitas e direitas, a alma de alguém que, um dia, se havia perdido no seu caminho que fora traçado por outros.
Tinha bastante curiosidade sobre o caderninho e admirava o meu irmão por saber que ali estavam escritas as mais belas palavras. Queria ser como ele. Escrever e ser reconhecido por isso. Fazer algo de que realmente gostava. Ainda me recordo de todas as vezes em que me chamava e, num murmúrio sentido, recitava pequenos excertos do que escrevia. E no fim perguntava-me o que achava. Eu, hipnotizado pela profundidade e encanto das palavras, afirmava que era a melhor coisa do mundo. E ele, afagando-me os cabelos, sorria. Dizia-me que, de alguma forma, era isto que o fazia sentir-se verdadeiramente feliz.
Um dia, a escrita desapareceu. Como, ninguém sabe. Num dia estava lá, repousada, segura. No outro, pura e simplesmente havia sumido. O meu irmão procurou-a, desesperadamente. Uma busca infrutífera, que o fez derramar uma triste e solitária lágrima. Tal como ele.
Ao meu irmão roubaram-lhe a escrita. Mas tiraram-lhe a alma. A simplicidade das palavras, a sua verdade e transparência. Tudo isto havia sumido para sempre. Os raros sorrisos, a ténue alegria quando recebia um elogio, coisas tão pequenas que faziam tanta diferença. E até isso lhe tiraram. Levei-o à praia. E nem uma simples expressão colocou. Continuou ali, fechado no seu mundo, numa tentativa desesperante de se soltar das correntes que o amarravam. E não conseguiu. Portanto ali ficamos, olhando o mar que, suavemente, transmitia a calma e a paz, até ao horizonte, que nos mostrava a linha de pensamento vazia que ocupava o meu irmão.
Ao meu irmão roubaram-lhe a escrita. E a mim, roubaram-me o meu irmão.
Beatriz Valongo


7.A Face oculta do mar



Ao meu pai, roubaram-lhe a vida. Nunca me pôde dizer como. Nem ele, nem os seus quatro amigos que pereceram no mesmo dia, à mesma hora, no mesmo local. Juntos. Disse-me: à noite, vamos ao cinema. E eu esperei, espero e esperarei por essa ida prometida.

Desde então, nunca mais voltei ao cinema. É uma espécie de homenagem aos dias maravilhosos que passei com ele a ver filmes, numa sala exígua para tanta felicidade.

No entanto, não desanimo. Acredito que o poderei reencontrar no fim do meu filme da vida. A tela apaga-se, as portas fecham-se. E eu, lentamente, começarei a subir, até alcançar o meu pai e poder concretizar esse desejo inacabado, promessa não cumprida.

Sei que pouco ou nada sei acerca da morte do meu pai e dos seus fiéis companheiros, pescadores inseparáveis. Na verdade, apenas conheço o local e responsável pela sua morte e o nome do barco em que seguia. Mar e Douro, respectivamente.

Ah, o mar! Capaz de proporcionar tão bons momentos e ao mesmo tempo de desmoronar uma vida, ruir uma família. Ele, naquele dia, mostrou a sua face oculta, bipolaridade desconhecida. Porém, não guardo rancor, mas nunca mais voltarei a nadar nas suas águas, pois embora saiba que foi um acto involuntário, não posso perdoar quem deflagrou esse acontecimento fatídico.

Agora, sempre que olho para o mar, vejo-o de maneira diferente, com desprezo e desilusão, se bem que seja a mesma água salgada e o mesmo cheiro a maresia.

Observo o horizonte durante horas a fio, esperando que algo ou alguém renasça das águas traiçoeiras do mar. Aguardo pela vinda do meu pai, que me dê a mão como costumava fazer, para nos dirigirmos ao cinema prometido.

Talvez ele espere que faça o mesmo: que termine o meu filme da vida e que me dirija ao Céu, já que parece que o caminho inverso é impossível.

Eu espero pela sua vinda, ele espera pela minha ida, mas o que ambos queremos é a oportunidade de nos reencontrarmos,

Talvez um dia mais tarde, quem sabe?
João Silveira, 10A


8.



Ao meu pai roubaram-lhe a alma. Nunca me contaram como aconteceu verdadeiramente. Disseram-me, apenas: um dia o teu pai foi para o mar; havia uma grande tempestade. No entanto, quando regressou a terra firme, era tarde de mais. Penso nisso todos os dias. Penso nisso quando trato do meu irmão e o meu pai lá não está. Também penso nisso quando passo pela lota e o cheiro a peixe me invade o nariz. Também penso nisso quando olho para o mar. Penso nisso todos os dias, a toda a hora.

Quando deambulo pelas ruas da aldeia, procuro o riso, o cheiro, a figura do meu pai. Olho para todos os homens: altos, baixos, gordos, magros, mas nenhum é o meu pai.

O meu pai dava vida à casa. Todos os dias, depois de jantar, ele tocava no seu velho violino para mim e para o meu irmão. Nós deliciávamo-nos a ouvir aquela doce melodia. Outras vezes, limitava-se a cantar ou a contar histórias de quando estivera na Guerra Colonial. Agora, tudo é diferente. Não temos ninguém que nos aconchegue à noite, nem que nos conte belíssimas histórias, pois eu e o meu irmão somos órfãos de mãe e de pai. A minha mãe falecera quando o meu irmão mais novo nascera.

No tempo em que o meu pai ainda não tinha partido, ele costumava levar-me ao cimo do pontão para observamos o mar. Costumava dizer:

- Filha, o mar é muito belo, mas esconde muitos perigos. Nunca tentes inferiorizá-lo.

Hoje penso muito no seu conselho. Se havia alguém que tentava inferiorizar o mar era o meu pai. Todos os dias, independentemente do seu estado, ele nele se aventurava. Fazia-se de corajoso, mas nesta luta de forças, quem saiu vencedor foi o mar.
Ana Lídia Ferreira Neves

Trabalhos enviados por Auxília Ramos

domingo, 6 de novembro de 2011