domingo, 26 de abril de 2015

"Enquanto quis Fortuna que tivesse"

Tendo por base o soneto ""Enquanto quis Fortuna que tivesse", os alunos de 10.ºano criaram páginas de um possível diário de Camões. Eis algum dos resultados:


Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são, e não defeitos...
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos!



1.

Lisboa, 15 de abril de 1575

Mais um dia que termina e continuo sem entender a má Fortuna que me assombra diariamente. Terei sido destinado a tal tormento desde o dia em que nasci? Será que algum dia o irei ultrapassar?
Por muito que tente esquecer toda esta mágoa, dor e sofrimento, é-me impossível. O Amor é força inelutável, implacável, uma entidade superior que todos subjuga, a qual não conseguimos evitar… Oh, quem me dera viver em marés de contentamento, de poder experienciar como todos os outros a felicidade…! Vivo há tanto tempo em tamanha situação de penúria, de guerra, de tristeza que a única forma que encontro para a ultrapassar é através da escrita.
A escrita liberta-me, salva-me de toda a opressão a que sou sujeito. É a ela que devo o facto de ainda não ter perdido a Esperança, de continuar a viver neste mundo desconcertado… Ai, que desespero que sinto! Apesar de ter vivido tão pouco, experienciei tanto… E tudo se presentifica na minha poesia: um breve livro onde partilho as minhas experiências, para que todos possam compreender que não estão sozinhos a enfrentar o Amor, para que todos possam compreender que, tal como eles, eu sofri e sofro por causa dele…
O que me preocupa é que todos pensam que o que exprimo em cada poema é fantasia, tolices da minha mente… mas não são! Tudo o que escrevo é autêntico: são as minhas vivências, a minha história enquanto ser amaldiçoado pela má sorte. E todos aqueles que, tal como eu, vivem neste tormento, rever-se-ão na minha escrita e entenderão os meus versos e a razão pela qual os escrevo.
Surge-me então a questão: devo continuar a viver esta angústia ou encerrar este meu livro de confissões e de desabafos para sempre?
Luís de Camões
Sofia Freitas


2.

Goa, 9 de junho de 1560
Querido livro de desgostos,

Hoje, mais um dia passou, comigo embrenhado numa tristeza silenciosa. A fortuna, essa inglória habitante da minha existência, teima em não servir de leme aos meus voos corajosos.
Os versos já não me servem de refúgio como dantes. A fraqueza transitou-me do corpo débil para a alma que ainda resistia aos infortúnios que a tentavam caçar. O Amor, essa loucura, derrotou-me. Forcei-me a explicá-lo, não fui capaz de o cantar…não consegui fazer dele a força que me impele a tentar vencê-lo. Manipula-me, joga comigo como se fosse um boneco de trapos. Deixa-me sempre maltratado e eu busco-o, de novo, procurando a sensação que, mais tarde ou mais cedo, me será roubada. Meu breve livro de confissões, hoje, sou forçado a fingir, a mentir ao papel e a fazer dele um instrumento ao serviço da minha frustração, do meu fracasso.
Hoje, menti com a minha pena, que tantas vezes me ajudou. Fui mais rato que homem e não suportei os ardis do ultrajante fado. A pior dor com que vivo já não é a do desgosto que sinto, mas sim a dor do desgosto que já nem sou capaz de sentir.
Francisco Caetano

3.

Atraiçoou-me a mente e o corpo o destino que parecia dar alma à minha felicidade. Felicidade autêntica? Essa que cantei quando tinha ainda esperança de algum amor - foi, mas já não o é.
            Temeu que divulgasse todos os seus enganos, o Amor, e, por isso, desertou-me o campo de inspiração e cegou-me para que não encontrasse forma de o expor àqueles que lhe são ainda imunes.
            Será que me ouvem? Urge que me ouçam... Urge que leiam meus versos! Canto-lhes meus dias e minhas vivências, minha dor e meu sofrimento, que tanto mais compreenderão quanto mais envenenados estiverem de Amor.
            São verdades puras, meus versos, e não fantasias... Ouvir-me-ão?
Vera Mariz


4.

Goa, 7 de junho de 1572
Caro confidente,

                A maior parte da minha obra gira em torno do amor, esse sentimento ardiloso. Enquanto quis o destino ludibriar-me com a esperança de ter alguma alegria devida ao amor e me deixou ter e gostar de ter pensamentos amorosos que não me provocassem mágoas, tudo fez com que eu escrevesse acerca dos efeitos do amor (e eu bem sei quais eles são… encarregaram-se de me mostrar essa parte do mundo antes de deixarem de o agraciar com a sua formosura).
                No entanto, após os seus passos deixarem de ser ouvidos na terra, esse Amor, temendo que eu, através da minha genialidade poética, avisasse alguém que nunca tenha experimentado o seu doce toque cortante, decidiu toldar-me a inspiração, inundando-me a mente de sofrimento e miséria, para que não perpetuasse os seus enganos e as ilusões por si provocadas no tempo.
                Ainda assim, para não variar, não é apenas isso que me fere a alma. São os apaixonados que, cegos pelos ledos enganos do terrível Amor, leem o conjunto dos meus poemas líricos, com casos tão diversos de ilusões amorosas, e os julgam uma mera fantasia! O que me perturba é saber que há muitos ignóbeis por aí, que não me entendem e me ridicularizam quando eu sei que não sou o único que foi cegado pelo doce canto das sereias, antes de ver extirpada toda a carne de meus ossos por causa do Amor… E, ainda assim, sou eu o ridicularizado por tentar exprimir a verdadeira face do amor, negra, repleta de diáclases, que tenta preencher com os pedaços que arranca da nossa alma, do nosso coração.
                Mas porquê queixar-me… Já sei que sou e serei sempre eu contra o mundo, desgraçado pela Fortuna e principalmente pelo Amor. Só me resta, pois, lamuriar perante ti, oh meu breve livro de enganos.

Francisca Martins