Póvoa de
Varzim, 22.02.2014 - Sete escritores debruçaram-se sobre o desafio da frase
“Cada livro é a antologia corrente da existência”.
Chegou-se à conclusão de que cada livro não é a
antologia corrente da existência, aliás, Miguel Sousa Tavares considera que “é
muito mais do que isso”.
A Mesa 5 do Correntes d’Escritas voltou a exceder a
expetativa de público, que lotou o Centro de Congressos do Axis Vermar, esta
noite de sexta-feira, dia 21. O painel moderado por Michael Kegler contou com
as explanações de Carlos Quiroga, Joana Bértholo, Manuel da Silva Ramos, Manuel
Jorge Marmelo, Miguel Sousa Tavares, Ondjaki e Rui Zink.
O primeiro a abordar o tema foi o galego Carlos
Quiroga, que realizou um trabalho de campo prévio, indo às livrarias perguntar
se tinham “Antologia corrente da existência”, no que foi entendido nalguns
casos como um ato provocatório. Recebeu como resposta algumas perguntas de
surpresa total: “Corrente como? Da existência de quem?”
Apesar de todo o esforço, Carlos Quiroga não deu o
trabalho totalmente por perdido, pois da “conversa com o último fulano, veio a
ideia do cruzamento com a propaganda que há algum tempo recebia: trata-se do
anúncio de um revolucionário conceito de tecnologia de informação chamada de
Local de Informações Variadas Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O.. Um avanço
fantástico, sem fios nem circuitos elétricos nem pilhas, não requer que se
conete ou ligue a nada e é tão fácil de usar que até uma criança o pode
utilizar”…
Joana Bértholo estreou-se no Correntes e como resposta
ao desafio resolveu contar a sua experiência de “fazedora de livros” num
projeto social na Argentina (Cartonera), em que cada livro era feito à mão por
artistas e artesãos, numa comunhão de esforços que resultava num objeto único.
Deixou a reflexão – “um livro está para a existência como uma flor está para um
jardim”.
Manuel da Silva Ramos contou a reflexão que realizou
para responder à questão colocada por esta Mesa “Cada livro é a antologia
corrente da existência”. O autor resolveu olhar para os seus 18 livros
publicados e, através deles, olhar para o passado “com olhos de lince
discreto”. E, facilmente, vê a sua vida passada, com as transformações e etapas
de homem, com uma sensação estranha: “tão poucos livros para tão grande
vivência”.
O premiado deste ano do Correntes d’Escritas, Manuel
Jorge Marmelo afirmou que não percebia muito bem a frase proposta. A
dificuldade começa logo na expressão corrente, “para a qual existem para
cima de 20 significados possíveis; existência é uma daquelas palavras
totalitárias que facilmente inclui a vida e a realidade inteiras. E antologia
tanto pode ser uma simples coleção atualizada de textos como o estudo das
flores. Supondo ainda assim que a expressão antologia corrente da existência
designa uma coleção atualizada da vida ou da realidade e que esta seleção
transitará para cada livro que escrevo, creio que acabaríamos por não concluir
grande coisa”.
Marmelo afirmou ainda que “os livros de ficção que
escrevo são de algum modo a tal antologia corrente da existência, mas ao mesmo
tempo não o são de modo nenhum”. É que a ficção cria uma realidade paralela.
Ondjaki considerou que “cada vida é uma antologia à
solta” e resolveu apresentar ao público do Correntes a biografia do seu
vizinho. Na história apresentada pelo escritor angolano, o seu vizinho é que é
o autor dos seus livros, as suas histórias são a ficção criada pelo vizinho,
afinal, ele nunca escreveu nada.
Rui Zink confessou que não esperava que estivessem 600
pessoas a assistir à sessão e saudou o “milagre das Correntes”, que conseguiu
reunir mais pessoas que os “446 partidos de esquerda, que se formaram nas
últimos 48 horas, para unir a esquerda”.
Rui Zink concorda com a frase de título da Mesa 5:
“parece óbvio, já que tudo o que eu escrevo tem uma ligação direta ao
quotidiano, e numa daquelas coincidências espantosas, tudo o que eu leio também
tem tudo a ver com o que estou a viver”. Zink afirmou que com o livro “A
instalação do medo” (de capa cinzenta) quis salvar Portugal, entretanto a
corrente de salvação do escritor estende-se para outro livro de capa “rosa
chiclete” – “A metametamorfose e outras fermosas morfoses” – com o qual quis
salvar o Mundo.
Miguel Sousa Tavares responde Não à pergunta
“Cada livro é a antologia corrente da existência?” O autor considera que se o
livro (que contém toda a condição humana) fosse a antologia corrente da
existência, seria a “pior exigência que se poderia fazer a um contador de
histórias, que era a de lhe retirar o direito essencial à mentira. Um livro, um
romance não é nem uma antologia, nem um relatório ou sequer um relato da
existência, apenas dá conta de que quem o escreveu estará vivo e essa é a única
ligação à existência, a sua própria existência.”
Enviado por Auxília Ramos