segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O livro do desassossego na Casa da Música

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Ontem, o 12ºAno assistiu a um espectáculo único, na Casa da Música, que concilia a música com as palavras de Fernando Pessoa. A direcção musical foi de Ed Spanjaard e a realização de Michel van der Aa. Uma produção no âmbito da Linz09, Capital Europeia da Cultura.
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No palco, a orquestra contemporânea Remix Ensemble, agrupamento residente na Casa da Música, dividiu o protagonismo da noite com o monólogo impressionante do actor João Reis, a presença enigmática do fado de Ana Moura (Ofélia) e a projecção fragmentária de imagens, de espectros, de Pessoa(s).
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Num cenário vanguardista e minimal, esferas visuais, a secretária de Bernardo Soares e o espaço da orquestra.
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O teatro musical começa com a projecção lenta de uma marcha animal, acompanhada por passos femininos... Lentamente imergimos no mundo profundo de Fernando Pessoa: imagens abstractas, descontínuas, aparentemente incoerentes. Uma sensação de desassossego invade-nos; a música intensifica essa despersonalização. Pessoa divide-se em palco e acedemos ao seu universo uno na diversidade. Sombras, silêncios, loucura... Ofélia pairando, a vermelho, no palco... Sombras, silêncios, loucuras... Um baú de papéis soltos, escombros de uma mente infinita, órfã de identidade: "A casa era uma casa viúva"; "Eu sou Deus".
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Desinstalação, desacomodação, desconstrução. A mente assombrosa do génio revela-se numa epifania sonora. Só no fim, no paroxismo da dor, o poeta sossega, no regaço do desassossego.
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Uma noite inesquecível, do tamanho do que vimos e não do tamanho da sua altura, como diria Alberto Caeiro.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Homenagem a Sebastião da Gama

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No 58º Aniversário da morte de Sabastião da Gama, uma homensagem ao pedagogo. Curiosamente, "pedagogo", na sua raiz etimológica (grego), designava o escravo que acompanhava a criança à escola. Este é um verdadeiro pedagogo do século XX, porque conseguiu verdadeiramente conduzir os seus alunos ao saber, ao conhecimento.
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"Ainda não disse que tenho um Poeta na turma. É o Romão. Faz o possível por "parecer" Poeta, pela maneira como se senta, pelo tom de voz, e até pelo reclamo falado que de si faz: assina "o Poeta"; acha naturalíssimo que eu lhe chame "ó Poeta" e diz aos outros que se não devem admirar de que haja Poetas que escrevem prosa: «Eu também sou Poeta e faço muitas redacções.» Tenho-lhe dito que é preciso ser Poeta principalmente por dentro; ele deve sabê-lo e é muito capaz de sê-lo: o que escreve traz o selo tão nítido, que o rapazinho talvez não se tenha enganado a seu respeito. Imaginação, boa escolha das palavras e uma gramática pavorosamente à Gomes Leal; pontuação não é com ele: a sua prosa (assinada assim: "o Poeta prosador") é parente do verso de Aragon.
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Pois o Romão quis ler Uma Corrida em Salvaterra, e eu invejei a leitura de que foi capaz. Ouvi-o com gosto, se não com entusiasmo. E mais ainda quando, não aproveitando do trecho senão o facto de apresentar um português valente, dos que dantes havia, improvisa um discurso tão correctamente conduzido, tão bonito e tão rico de frases felizes, que parecia preparado. Mas não era: o Poeta estava a falar. E o Poeta tinha o coração nas mãos (já sei porque é que ele põe as mãos num gesto que eu a princípio não percebia).
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Dizia ele que «a alma portuguesa foi sempre grande». Invencível sempre, foi antigamente, no entanto, «mais firme, mais impetuosa». Hoje deixaríamos morrer afogado, junto de nós, quem quer que não fosse da nossa família (pai, mãe, irmão…) porque a morte nos aterroriza; porque (como a ordem das palavras é já de Poeta nesta frase!) «hoje o medo de morrer é grande».
E etc. Neste etc. ia um apelo do Poeta — do mais fundo, dos mais humanamente bonitos do Poeta: «Devíamos ser todos irmãos.»
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A lição de gramática fora pensada, pelo menos parte dela, em casa: Os espanholismos do vocabulário do toureio e a sua justificação; a partir daí falei-lhes de anglicismos e francesismos, de italianismos e respectivos, mais frequentes, domínios vocabulares.
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Outra coisa em que toquei, a propósito das palavras, foi no eufemismo. Perceberam. O maroto do Artur, quando eu lembrei que a pessoa a quem morre um parente muito querido diz de preferência ele faleceu, descobriu logo: «Ah! Por isso é que no jornal nunca vem morrimentos; vem sempre falecimentos.»
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Se eu não risse era um palerma. Se eu o mandasse para a rua (há quem faça isso, por causa disto, sim, senhor!) era uma dúzia de palermas."

Sebastião da Gama, in Diário (1948-1949)

Musicografias

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"Quand sol tá dá na bô / Bô sorriso é um paisagem floride". Assim começa a música que escolhi para este mês. É uma música crioula, uma "morna"cabo-verdiana, cantada por Tito Paris. A morna está para Cabo Verde como o fado está para Portugal. É o estilo musical mais consensual ou mais comum por todo o arquipélago. É uma música normalmente acústica, acompanhada por um violão (guitarra) e, tal como Cabo Verde, simples e despretensiosa,embora aqui seja apresentada, tal como Tito diz, como "morna sinfónica".
Mas, também como no fado, toda a história é intelectualização acessória de algo que nasce do fundo do autor. O essencial é o que nos diz. Ou o que nos faz. E a mim, faz-me partir para Cabo Verde e deitar-me na praia de uma noite quente...
Joaquim Santos Silva
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ainda Rosa Lobato Faria

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Quando soube da notícia da morte de Rosa Lobato Faria, tive vontade de resgatar alguns dos seus romances escondidos, em segunda fila, nas estantes os meus livros. E percorri-os, então, num deslizar de páginas, ressuscitando relatos intimistas, em que a casa, a família, o amor, a paixão, a vingança, a morte, a solidão, a memória de vozes, de sabores, de cheiros se cruzam e confundem com a vida real. Relatos em que, indubitavelmente, se pressente uma voz feminina. Deixo-vos alguns ecos:
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“Sento-me abraçada aos joelhos, pousando o queixo no conforto dos jeans e penso na avó Júlia, na sua estranha aparição no meu sonho de véspera. Vi o seu sorriso, ouvi a sua voz, a sua gargalhada, eu que não a conheci. Quererá dizer-me alguma coisa, ajudar-me a encarar com simplicidade a minha nova situação, a aceitar a vida como ela vem?” – in O Sétimo Véu
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“Acordámos de manhã com o cantar alvoroçado dos pássaros, pensámos que tínhamos sonhado, mas o salgueiro lá estava com um ramo partido e do chão apanhei uma meia-lua de prata que até hoje nunca mais larguei de usar comigo, tanto que a minha filha nasceu com um sinal em forma de meia-lua no rosto e por isso lhe chamámos Luna de Santa Maria – in Romance de Cordélia
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“ Não era raro, nas nossas deslocações na carroça do tio Zebra, a Diamantina pedir-lhe que parasse, atraída por um matiz surpreendente, uma corola impudica, uns estames sedutores. Passava-lhes de leve o dedo, estudava-lhes a forma e o aroma, analisava as folhas e decidia se queria levá-las. Hesitava muitas vezes. Para mim uma flor é uma flor, mas para a Diamantina uma flor era um motivo, uma obra de arte geradora de mais arte e não as colhia indiscriminadamente, respeitava-as demasiado para se permitir uma abordagem leviana.” – in Os Pássaros de Seda
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“Antes de partir voltei-me para um último olhar e, não sei porquê, vieram-me à lembrança dois versos de Eugénio de Andrade, a casa dorme, sonha no vento a delícia súbita de ser mastro, e ocorreu-me que talvez Rio de Anjo, na sua verdade de pedra, livre das fraquezas humanas, fosse uma aldeia feliz.” – in O Prenúncio das Águas
Auxília Ramos

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Um rasto de hortelã...

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A autobiografia de Rosa Lobato Faria (retirada do Jornal de Letras)
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Quando eu era pequena havia um mistério chamado Infância. Nunca tínhamos ouvido falar de coisas aberrantes como educação sexual, política e pedofilia. Vivíamos num mundo mágico de princesas imaginárias, príncipes encantados e animais que falavam. A pior pessoa que conhecíamos era a Bruxa da Branca de Neve. Fazíamos hospitais para as formigas onde as camas eram folhinhas de oliveira e não comíamos à mesa com os adultos. Isto poupava-nos a conversas enfadonhas e incompreensíveis, a milhas do nosso mundo tão outro, e deixava-nos livres para projectos essenciais, como ir ver oscilar os agriões nos regatos e fazer colares e brincos de cerejas. Baptizávamos as árvores, passeávamos de burro, fabricávamos grinaldas de flores do campo. Fazíamos quadras ao desafio, inventávamos palavras e entoávamos melodias nunca aprendidas.
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Na Infância as escolas ainda não tinham fechado. Ensinavam-nos coisas inúteis como as regras da sintaxe e da ortografia, coisas traumáticas como sujeitos, predicados e complementos directos, coisas imbecis como verbos e tabuadas. Tinham a infeliz ideia de nos ensinar a pensar e a surpreendente mania de acreditar que isso era bom. Não batíamos na professora, levávamos-lhe flores.

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E depois ainda havia infância para perceber o aroma do suco das maçãs trincadas com dentes novos, um rasto de hortelã nos aventais, a angustia de esperar o nascer do sol sem ter a certeza de que viria (não fosse a ousadia dos pássaros só visíveis na luz indecisa da aurora), a beleza das cantigas límpidas das camponesas, o fulgor das papoilas. E havia a praia, o mar, as bolas de Berlim. (As bolas de Berlim são uma espécie de ex-libris da Infância e nunca mais na vida houve fosse o que fosse que nos soubesse tão bem).

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Aos quatro anos aprendi a ler; aos seis fazia versos, aos nove ensinaram-me inglês e pude alargar o âmbito das minhas leituras infantis. Aos treze fui, interna, para o Colégio. Ali havia muitas raparigas que cheiravam a pão, escreviam cartas às escondidas, e sonhavam com os filmes que viam nas férias. Tínhamos a certeza de que o Tyrone Power havia de vir buscar-nos, com os seus olhos morenos, depois de nos ter visto fazer uma entrada espampanante no salão de baile onde o Fred Astaire já nos teria escolhido para seu par ideal.

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Chamava-se a isto Adolescência, as formas cresciam-nos como as necessidades do espírito, música, leitura, poesia, para mim sobretudo literatura, história universal, história de arte, descobrimentos e o Camões a contar aquilo tudo, e as professoras a dizerem, aplica-te, menina, que vais ser escritora.
Eram aulas gloriosas, em que a espuma do mar entrava pela janela, a música da poesia medieval ressoava nas paredes cheias de sol, ay eu coitada, como vivo em gran cuidado, e ay flores, se sabedes novas, vai-las lavar alva, e o rio corria entre as carteiras e nele molhávamos os pés e as almas.
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Além de tudo isto, que sorte, ainda havia tremas e acentos graves. Mas também tínhamos a célebre aula de Economia Doméstica de onde saíamos com a sensação de que a mulher era uma merdinha frágil, sem vontade própria, sempre a obedecer ao marido, fraca de espírito que não de corpo, pois, tendo passado o dia inteiro a esfregar o chão com palha de aço, a espalhar cera, a puxar-lhe o lustro, mal ouvia a chave na porta havia de apresentar-se ao macho milagrosamente fresca, vestida de Doris Day, a mesa posta, o jantarinho rescendente, e nem uma unha partida, nem um cabelo desalinhado, lá-lá-lá, chegaste, meu amor, que felicidade! (A professora era uma solteirona, mais sonhadora do que nós, que sabia todas as receitas do mundo para tirar todas as nódoas do mundo e os melhores truques para arear os tachos de cobre que ninguém tinha na vida real).
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Mas o que sabíamos nós da vida real? Aos 17 anos entrei para a Faculdade sem fazer a mínima ideia do que isso fosse. Aos 19 casei-me, ainda completamente em branco (e não me refiro só à cor do vestido). Só seis anos, três filhos e centenas de livros mais tarde é que resolvi arrumar os meus valores como quem arruma um guarda-vestidos. Isto não, isto não se usa, isto não gosto, isto sim, isto seguramente, isto talvez. Os preconceitos foram os primeiros a desandar, assim como todos os itens que à pergunta porquê só me tinham respondido porque sim, ou, pior, porque sempre foi assim. E eu, tumba, lixo, se sempre foi assim é altura de deixar de ser e começar a abrir caminho às gerações futuras (ainda não sabia que entre os meus 12 netos se contariam nove mulheres). Ouvi ontem uma jovem a dizer, a revolução que nós fizemos nos últimos anos. Não meu amor: a revolução que NÓS fizemos nos últimos 50 anos. Mas não interessa quem fez o quê. É preciso é que tenha sido feito. E que seja feito. E eu fiz tudo, quando ainda não era suposto. Quando descobri que ser livre era acreditar em mim própria, nos meus poucos, mas bons, valores pessoais.
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Depois foram as circunstâncias da vida. A alegria de mais um filho, erros, acertos, disparates, generosidades, ingenuidades, tudo muito bom para aprender alguma coisa. Tudo muito bom. Aprender é a palavra chave e dou por mal empregue o dia em que não aprendo nada. Ainda espero ter tempo de aprender muita coisa, agora que decidi que a Bíblia é uma metáfora da vida humana e posso glosar essa descoberta até, praticamente, ao infinito.

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Pois é. Eu achava, pobre de mim, que era poetisa. Ainda não sabia que estava só a tirar apontamentos para o que havia de fazer mais tarde. A ganhar intimidade, cumplicidade com as palavras. Também escrevia crónicas e contos e recados à mulher-a-dias. E de repente, aos 63 anos, renasci. Cresceu-me uma alma de romancista e vá de escrever dez romances em 12 anos, mais um livro de contos (Os Linhos da Avó) e sete ou oito livros infantis. (Esta não é a minha área, mas não sei porquê, pedem-me livros infantis. Ainda não escrevi nenhum que me procurasse como acontece com os romances para adultos, que vêm de noite ou quando vou no comboio e se me insinuam nos interstícios do cérebro, e me atiram para outra dimensão e me fazem sorrir por dentro o tempo todo e me tornam mais disponível, mais alegre, mais nova).

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Isto da idade também tem a sua graça. Por fora, realmente, nota-se muito. Mas eu pouco olho para o espelho e esqueço-me dessa história da imagem. Quando estou em processo criativo sinto-me bonita. É como se tivesse luzinhas na cabeça. Há 45 anos, com aquela soberba muito feminina, costumava dizer que o meu espelho eram os olhos dos homens. Agora são os olhos dos meus leitores, sem distinção de sexo, raça, idade ou religião. É um progresso enorme.

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Se isto fosse uma autobiografia teria que dizer que, perto dos 30, comecei a dizer poesia na televisão e pelos 40 e tais pus-me a fazer umas maluqueiras em novelas, séries, etc. Também escrevi algumas destas coisas e daqui senti-me tentada a escrever para o palco, que é uma das coisas mais consoladoras que existem (outra pessoa diria gratificantes, mas eu, não sei porquê, embirro com essa palavra). Não há nada mais bonito do que ver as nossas palavras ganharem vida, e sangue, e alma, pela voz e pelo corpo e pela inteligência dos actores. Adoro actores. Mas não me atrevo a fazer teatro porque não aprendi.

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Que mais? Ah, as cantigas. Já escrevi mais de mil e 500 e é uma das coisas mais divertidas que me aconteceu. Ouvir a música e perceber o que é que lá vem escrito, porque a melodia, como o vento, tem uma alma e é preciso descobrir o que ela esconde. Depois é uma lotaria. Ou me cantam maravilhosamente bem ou tristemente mal. Mas há que arriscar e, no fundo, é só uma cantiga. Irrelevante.

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Se isto fosse uma autobiografia teria muitas outras coisas para contar. Mas não conto. Primeiro, porque não quero. Segundo, porque só me dão este espaço que, para 75 anos de vida, convenhamos, não é excessivo. Encontramo-nos no meu próximo romance.
Rosa Lobato Faria

Correntes de Escrita 2010

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Rosa Lobato Faria

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Rosa Lobato Faria tinha 17 anos e queria ser actriz. O pai deu-lhe a escolher. Ou ia para a faculdade em Coimbra, com tudo pago, ou para o conservatório, em Lisboa, pagando o curso com um emprego. Aceitou a vontade do pai. Foi estudar Germânicas. Isso quanto tinha 17 anos. Porque depois Rosa Lobato Faria, mulher forte e convicta, foi mesmo actriz. E poeta, escritora, argumentista e compositora. Quando questionada, respondia ser escritora. Mas, acto contínuo, acrescentava que ser actriz não era muito diferente: criar personagens e dar-lhes vida.

Rosa Lobato Faria estava a escrever um novo romance (Mário Santos/Porto Editora).

Lançando o olhar sobre a sua vida, sobressai uma presença, constante e multifacetada. Começou a divulgar poesia na RTP, durante os anos 60, em colaboração com David Mourão-Ferreira, e integrou o elenco da primeira telenovela portuguesa, Vila Faia. Foi letrista com lugar reservado na história do Festival da Canção, com Amor de Água Fresca, cantado por Dina, ou Chamar a Música, por Sara Tavares, e uma escritora que, poeta há muito, chegou tarde ao romance. Aos 62 anos, com O Pranto de Lucífer, publicado em 1995. Chegou a tempo: dez romances e um deles, O Prenúncio das Águas, distinguido em 2000 com o Prémio Máxima da Literatura.

O seu editor, Manuel Alberto Valente, lamenta a "perda de uma grande amiga" e "uma pessoa extraordinária" e recorda como o seu primeiro romance, aparecendo já numa idade madura, "trazia para a área da ficção essa marca poética muito forte em todo o trabalho dela".

"Tinha prometido entregar-nos brevemente o novo romance que queria publicar ainda este ano", revela. "Não sei em que fase estava da escrita, mas vou agora tentar saber junto da família."

Rosa Lobato Faria dizia que toda a poesia e literatura que escreveu partiu do Alentejo das suas férias de infância - daquela paisagem, dos cantares das pessoas, da força da tradição que ali pressentia. Também nisso era múltipla: mulher moderna e cosmopolita, mas que nunca escondeu um imenso fascínio pela cultura popular.

Romancista, obviamente

O realizador Lauro António, que a filmou em Paisagem Sem Barcos (1983) e Vestido Cor de Fogo (1986), recorda-a como "uma pessoa muito delicada, sensível, de uma grande elegância, mas ao mesmo tempo muito intensa ao nível das suas convicções e paixões". Destaca: "Deixa uma marca forte no mundo do espectáculo e da cultura portuguesa." E acrescenta que "não sendo uma feminista militante, tinha uma personalidade forte, ajudando a alterar a imagem da mulher em Portugal nos últimos 50 anos".

Ela, que como nos refere Herman José, "odiava que a reduzissem a "autora de letras para cantigas"", deixou-nos no ouvido alguns dos momentos mais memoráveis no humor da televisão portuguesa. Com Herman, precisamente.

São dela as letras dos genéricos de Casino Royale, Crime na Pensão Estrelinha e Humor de Perdição. O humorista recorda a participação de Lobato Faria naquele último programa, onde interpretava Dona Cândida, "senhora das avenidas novas, que alugava quartos e se apaixonava por um boçal José Esteves": "Conquistou-nos a todos com a sua alegria e a sua transbordante juventude e, na sequência da morte de Carlos Paião, acabou por ocupar o espaço deixado livre na autoria de versos humorísticos para os meus programas e canções." Porém, aponta Herman, "o seu sonho foi sempre ser aceite como romancista".

No momento da sua morte, recordamo-la pelas letras das canções que escreveu, pela presença na televisão e no cinema, pelo teatro e pela poesia compilada em volumes como Os Deuses de Pedra (1983). Recordamo-la também, obviamente, como romancista. O seu último livro, As Esquinas do Tempo, foi publicado em 2008. A sua obra, como refere em comunicado a Porto Editora, "está traduzida em Espanha, França e Alemanha e representada em várias colectâneas de contos, em Portugal e no estrangeiro". Rosa Lobato Faria cumpriu o seu sonho.

in Público

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010