quarta-feira, 30 de abril de 2008

Retrato e Auto-retrato 10ºAno




Frida Kahlo


Almada Negreiros


Em oficina de escrita, os alunos aplicaram a técnica do retrato. Escolheram um colega e, em segredo, pintaram os seus traços. Depois, leram em voz alta e a turma fez corresponder o retrato à identidade (e acertou sempre). Aqui fica o primeiro exemplo: uma joaninha muito especial...


Vejo-a voando, vestida de vermelho (talvez), com algumas marcas negras como se tivesse sido pintalgada, mas nem assim me canso de a contemplar. Imagino-a sentada em margaridas, em rosas, em tulipas...consegue voar. E depois repousa sobre o meu joelho, olhando-me com aquela postura calma e serena, tentando compreender o motivo de a olhar daquela forma. Mal ela sabe a brisa que faz o seu cabelo escuro e liso e as sobrancelhas marcadas que sobressaem na larga testa que tem...E quando se aproxima de mim, quando me segreda docemente todos os seus enigmas, eu não me canso do seu olhar profundo e amendoado que me consegue mostrar tudo...a sua sinceridade, a sua determinação e, por vezes, a sua tristeza. Quando assim é, o Outono cresce em meu redor, as maçãs do rosto, outrora imponentes, transformam-se, tornam-se esquálidas e parecem querer desaparecer.
Mas o tempo cura tudo, o tempo faz passar tudo e acorda o sol e afasta as nuvens desvelando novamente a sua verdadeira perfeição. Faz-me ter em atenção os lábios carnudos, o sorriso doce e meigo. Faz-me ver todos os pormenores. Mas o ar dela e a forma do nariz não me enganam. Sei que me vai deixar, depreendo que queira dormir: está frio, eu entendo… O tempo leva as nuvens mas também as traz, dá o sol mas também o chama. E ela gosta do verde, gosta de cores e ama o sol. Quando está frio, prefere dormir, retirar-se e pensar, contar os dias que faltam para voltar a poder voar. E eu vou contando todos os dias que faltam para a poder voltar a ver, para ouvir a sua voz amiga... Vou contando os dias que faltam para ela perceber que, independentemente do Outono ou do Verão, estará sempre presente no meu coração.

Ana Lúcia, 10C

domingo, 27 de abril de 2008

No país para além das vagas...





A partir de um dos Contos Orientais de Marguerite Yourcenar, "A fuga de Wang-Fô", os alunos de 7ºAno apresentaram os trabalhos de ilustração e os trechos descritivos realizados. Aqui ficam as imagens dessa exposição e o agradecimento sincero a todos os que por lá passaram e a todos os que colaboraram nesta iniciativa conjunta das disciplinas de Educação Visual e Língua Portuguesa.








quarta-feira, 23 de abril de 2008

Revista LER

A revista LER, fundada em 1987, regressa de novo às bancas, totalmente renovada, com uma nova imagem gráfica, ligeira, com a maior informação possível sobre os livros à venda em Portugal. Esta nova revista poderá ser adquirida em banca e passa a ter uma periodicidade mensal.O lançamento realizou-se a 22 de Abril, sob a direcção de Francisco José Viegas.












E, já agora, o endereço da LER: http://ler.blogs.sapo.pt/29952.html

Oficina de Leitura 10ºAno (Memórias)

Memórias do Campo de Concentração

Primo Levi, Se isto é um homem

Em Novembro de 1962, Levi escrevia: "Há um sonho pleno de horror que não deixa de me visitar (...). É um sonho dentro de um sonho. Varia nos detalhes mas não na substância. Posso estar sentado à volta de uma mesa com a minha família ou com amigos, ou no trabalho, ou num campo verde. Em suma, num ambiente pacífico e descontraído, sem qualquer tensão ou aflição aparente; e, no entanto, sinto uma profunda e subtil angústia, a sensação definitiva de uma ameaça pendente. E, de facto, à medida que o sonho continua, devagar ou brutalmente, de cada vez de uma forma diferente, tudo se desintegra à minha volta, o cenário, as paredes, as pessoas, enquanto a angústia se torna cada vez mais intensa e mais definida. Agora, tudo se transforma em caos. Estou sozinho no centro de um nada cinzento e perturbador e agora sei o que significam as coisas e também sei que sempre o soube. Estou no Laager e nada é verdadeiro fora do Laager. Tudo o resto era uma breve pausa, uma ilusão dos sentidos, um sonho (...). Este sonho dentro do sonho terminou e o outro sonho continua, gélido. Uma voz bem conhecida pronuncia uma única palavra, que não é imperiosa, apenas breve. É a voz de comando do amanhecer de Auschwitz, uma palavra estrangeira, temida, esperada: "Wstawách!. Levanta-te."



Poderá um homem sobreviver ao facto de ter sobrevivido a Auschwitz?


Rita Levi Montalcini, cientista italiana e sua velha amiga, foi a primeira a pôr em dúvida a versão do suicídio, argumentando que Levi era um químico e que conhecia mil outras maneiras, menos dramáticas e violentas, de pôr termo à vida.


Para os seus amigos, os seus admiradores, os seus leitores em todo o mundo, aceitar a ideia do suicídio era aceitar que a sua profunda humanidade fora finalmente vencida pelo mal absoluto, desmentido a mensagem de esperança que inscrevera na sua obra literária de sobrevivente.


"Escrever é a única salvação, mas escrever é também a única impossibilidade", disse Jorge Semprum, outro escritor-sobrevivente dos campos de extermínio nazis que só conseguiu testemunhar sobre os anos que passou em Buchenwaldt em 1994, num livro a que chamou "A Escrita ou a Vida".


Primo Levi, químico de formação, judeu italiano nascido em Turim em 1919, que apenas descobriu o total significado de ser judeu em 1944, terminou o seu testemunho de 11 meses de permanência em Auschwitz apenas um ano depois de ter sido libertado.


Não se trata de um livro de ficção. É apenas uma discrição objectiva, serena, contida, desprovida de amargura, do dia-a-dia de um prisioneiro de Auschwitz que se esforça por não esquecer que é um ser humano. "Se isto é um homem", publicado pela primeira vez em 1947, depois de ter sido rejeitado pelas grandes editoras italianas, já foi lido por milhões de pessoas em quase todas as línguas do mundo.


Não é mais um livro sobre o Holocausto. É um comovente ensaio sobre a própria natureza humana. "Lavar o rosto todas as manhãs, mesmo sem água e sem sabão, é a única maneira de se manter humano", disse-lhe um velho prisioneiro judeu que não sobreviveu. Quando tentava ensinar italiano a um companheiro de campo, a memória longínqua e dispersa de um passado que tinha deixado de existir, apenas lhe trazia aos lábios os versos do episódio de Ulisses do "Inferno" ("Divina Comédia") de Dante: "O que é um homem? O que é um homem?"


Depois de "Se isto é um Homem", Levi não mais deixou de escrever, amarrado à vida pela escrita, sem nunca deixar de exercer a sua profissão de químico industrial que, provavelmente, lhe salvou a vida em Auschwitz. "Imploro ao leitor que não ande à procura de mensagens. É um termo que detesto porque me impõe um fato que não é meu e que pertence a um tipo humano do qual desconfio; o profeta, o adivinho, o vidente. Não sou nada disto. Sou um homem normal com uma boa memória que caiu num turbilhão e saiu dele mais por sorte do que por virtude, e que, desde esse tempo, manteve uma certa curiosidade sobre os pequenos e grandes turbilhões, metafóricos e actuais", escreveu Levi num das suas últimas obras.


A sobriedade e a profunda humanidade dos seus escritos fizeram dele um símbolo do triunfo da razão sobre a barbárie. Por isso, a dúvida sobre o seu suicídio foi tão insuportável. Não vale a pena tentar reler a sua obra à luz do seu acto final. Basta lê-la e nunca mais esquecer.

Teresa de Sousa, in Público

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Ainda a Poesia...

Instrução Primária

Não saibas: imagina…
Deixa falar o mestre, e devaneia…
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões…
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições…

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Asas da fantasia…

Miguel Torga



Este filme tem quase vinte anos... e, ainda assim, já marcou gerações. Deixo-o aqui porque me revelou, enquanto aluna, o outro lado da poesia e o poder encantatório das palavras. Carpe diem...

terça-feira, 15 de abril de 2008

Acordo Ortográfico

Fonte: http://www.olhares.pt/ (Autora: Emília Seabra)

Não é fácil adoptar uma posição segura e irrevogável sobre este Acordo. Mesmo entre os linguistas, a questão é polémica e muito pouco consensual. A pedido dos alunos, deixo aqui duas perspectivas distintas, publicadas no Diário de Notícias: a do escritor e eurodeputado Vasco Graça Moura e a do linguista e professor catedrático Malaca Casteleiro.
Deixo também os endereços que podem consultar para obter o texto integral do Acordo Ortográfico:

http://www.necco.ca/faq_acordo_ortografico.htm
http://www.priberam.pt/docs/AcOrtog45_73.pdf

E ainda uma reportagem da RTP sobre a Conferência do Acordo Ortográfico, que se realizou na Assembleia da República, em 7/4/2008:





ACORDO ORTOGRÁFICO: I. O RIDÍCULO
Vasco Graça Moura
Escritor


Em Junho de 1986, 20 professores do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa propuseram a renegociação do Acordo Ortográfico em conclusão da posição crítica que sobre ele tomaram. O texto de 1990 mantém quase todos os vícios que tinham levado a essa tomada de posição. Vejamos alguns, recorrendo quanto possível às expressões usadas nesse documento.O texto de 1986 "tenta englobar, de modo cumulativo e não integrado, critérios de natureza diferente que, uma vez postos em confronto, são portadores de incoerência e geradores de contradições, não constituindo por isso base rigorosa justificativa para as alterações adoptadas, ao mesmo tempo que introduz incorrecções de carácter técnico e científico". Entre essas incoerências, é apontada a invocação da "força da etimologia" (ou, acrescento, da "história das palavras") "para a mantenção do h inicial e para a forma de representação das vogais átonas, argumento que é esquecido quando se elimina o c e o p igualmente etimológicos", sem contar que o argumento está errado, pois o h inicial que se manterá pela força da etimologia "é suprimido quando essa grafia está 'consagrada pelo uso' (ex.: erva)". E ainda se recorre a outro critério para supressão do h inicial quando passa a interior, por via de composição, critério de generalização que ultrapassa a etimologia, a força e o uso.Passa-se exactamente o mesmo com o texto de 1990.O parecer criticava as facultatividades de 1986, assinalando: "Como consequência deste critério, é previsível que surjam divergências ortográficas dentro da mesma variante da língua no mesmo país, dependentes de juízos aleatórios." A crítica mantém toda a razão de ser face ao disposto na al. c) da Base IV de 1990. Acrescente--se que é perigosa a ambiguidade da referência, sem critérios seguros, às pronúncias cultas da língua, nem caracterizadas, nem identificadas, nem localizadas quanto aos oito países que a falam (só haverá pronúncias cultas em Portugal e no Brasil? e no Brasil haverá apenas uma?), nem relacionadas com as pronúncias do léxico de origem popular (aliás, o que serão pronúncias "cultas" do léxico popular?).O parecer sustentava que todas as alterações introduzidas num dado sistema gráfico deviam ser equacionadas também em função da relação entre o oral e o escrito, sendo "inaceitável que ajustes ou reformas linguísticas potenciem mudanças linguísticas em sentidos previsíveis ou imprevisíveis". Isto continua a valer quanto ao texto de 1990: o n.º 2 da Base IV, p. ex., admitindo mais facultatividades, como "amígdala,/amídala" ou "amnistiar/anistiar", abre a porta a que passe a escrever-se "anésia" em vez de "amnésia", "indenizar" em vez de "indemnizar", ou ainda "arimética" em vez de "aritmética"...Imagine-se um texto oficial a subscrever por Portugal e Brasil. Ficará assim, se falar em se "adotar um dispositivo cómodo/cômodo para o combate às deficiências higiénicas/higiênicas no fabrico de alimentos, as quais acarretam consequências negativas, não apenas económicas/econômicas, mas de todo o género/gênero, encarando-se a criação um novo grau académico/acadêmico na área da segurança alimentar". Isto resulta do consignado na Base XI, n.º 3.º. Tem consagração prática oficial no DR, I série, n.º 193, de 23.8.1991. Imaginemos outro texto: "No tocante à corrupção e aspectos conexos, perfilha-se a concepção de que somente após recepção de mais elementos informativos de facto e de direito se poderá adoptar medidas com carácter permanente neste sector."As palavras "corrupção", "aspecto", "concepção", "recepção", "facto", "carácter" e "sector" contam-se entre aquelas cuja grafia, com c ou p, é facultativa, segundo a al. c) da Base IV do Acordo.De maneira que, ao sabor de quem intervenha materialmente na negociação do texto, elas podem ser escritas com ou sem aquelas consoantes, em dezenas de combinações possíveis, o que abre a porta à mais confusa das diversidades ortográficas. A aplicação do Acordo não levará apenas ao caos no ensino nos oito países. Levará a que a língua portuguesa se cubra de ridículo no plano internacional. (Continua)

in Diário de Notícias, 6 de Fevereiro de 2008


ACORDO ORTOGRÁFICO: II. O RESTO
Vasco Graça Moura

Escritor



Recapitulemos mais uma série de pontos altamente questionáveis do Acordo Ortográfico:Foi entretanto escamoteada a necessidade de elaboração de um vocabulário ortográfico (também no tocante à terminologia científica), prévio à entrada em vigor do Acordo, tal como se exigira em 1990 e em 1994.É deficiente o corpus de 110 000 palavras tomado como base, uma vez que só o Dicionário Houaiss comporta cerca de 228 000.É inaceitável a demissão quanto a certas soluções, a começar pelo nome das letras, que não é fixado, mas apenas sugerido, sem excluir outras formas de as designar (Base I, n.º 2); amanhã, se nos der na real gana, até podemos chamar pi ao p, iks ao x e acca ao agá...No texto ocorrem mais deficiências como, entre outras, as seguintes:Na Base V, sobre a homofonia de certos grafemas consonânticos, remete-se para a "história das palavras", o que tornaria imprescindível dizer-se qual o momento a considerar no tempo. E, no n.º 2, remete-se para vocabulários ou dicionários, quando estes, ou são anteriores ao Acordo e apresentam divergências sem que nele haja critério para as resolver, ou terão de ser elaborados e ainda não existem...No n.º 2 da Base X, diz-se que o i de "bainha", "moinho" ou "rainha" constitui sílaba com a consoante seguinte. Eis umas "sílabas" tão in que não lembrariam a ninguém.No n.º 2 da Base XIII, trata-se como sufixo a terminação em "zinho" ou "zito" que corresponde ao infixo z seguido de um sufixo;As Bases XV e seguintes são confusas quanto ao emprego do hífen; aliás, na Base XV manda-se escrever Baía de Todos-os-Santos com hífen, quando, no n.º 2, e) da Base XIX se escreve Todos os Santos sem ele... Por outro lado, na Base XVII n.º 2, manda-se escrever sem hífen "hei de", "hás de", "hão de", nas formas monossilábicas do verbo haver, mas nada se diz quanto à forma "hão-no"...Na Base XX escreve-se: "as sucessões de duas consoantes, ou sejam [...], aquelas sucessões [...]. Ou sejam?No n.º 5 da Base XX chama-se "diagramas" aos dígrafos gu e qu! Nem a TLEBS vai tão longe...Será de admitir que estas bizarrias sejam solenemente ratificadas?Lembremos ainda outros pontos da crítica dos docentes da Faculdade de Letras de Lisboa.Em 1986, não foi tida em conta a preocupação de encontrar critérios de decisão e viabilidade prática da execução das soluções possíveis, nem a procura de um equilíbrio, na distribuição pelas grafias existentes, das modificações a efectuar. Em 1990, também não: veja-se, além dos exemplos dados no meu artigo anterior, o acima referido quanto ao n.º 2 da Base V, sobre o recurso a dicionários e a vocabulários para variadíssimas grafias com e, i ou o e u em sílaba átona.Criticava-se a falta de regras de adaptação para a ortografia de palavras provenientes de línguas africanas que já se tenham integrado no português (acrescente-se Timor) e de empréstimos de línguas estrangeiras. Agora, o n.º 2 da Base I não chega para tanto, pois só considera antropónimos, topónimos, siglas, símbolos e unidades de medida.Entendia-se que, para além dos contributos científicos rigorosos e imprescindíveis, haveria que promover uma discussão alargada e ainda que auscultar outras instituições, entre elas, a APE.De resto, tanto a CNALP como a Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário, oportunamente consultadas, lhe deram parecer negativo ao texto de 1990. Aguiar e Silva até se demitiu da coordenação da primeira por concluído "que, realmente, o Governo não prestava qualquer atenção ao que dizia a CNALP"...Mesmo sem se abordar a questão dos interesses culturais, políticos, económicos ou geostratégicos em jogo, qualquer leigo verifica que o Acordo não traz qualquer utilidade ou mais-valia. Enferma de muitos vícios e, a entrar em vigor, será altamente pernicioso nos mais variados planos.Sendo assim, só se vislumbra uma solução razoável, aliás próxima do presente estado de coisas: corrigir as muitas deficiências do texto e admitir como igualmente legítimas as grafias divergentes nos vários espaços da língua, as quais passariam a figurar nos dicionários e vocabulários.

in Diário de Notícias, 13 de Fevereiro de 2008


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UM NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO
João Malaca Casteleiro

Professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa
Linguista

A questão ortográfica da língua portuguesa arrasta-se há quase meio século. De facto, em 1911, com o advento da República, Portugal promoveu uma grande reforma ortográfica da língua. Infelizmente, fê-lo à revelia do Brasil, que era então o outro grande país de língua portuguesa. Ora, implantar uma reforma ortográfica constitui um acto de soberania, o qual não pode ser imposto a outro país. Mas era o que Portugal pretendia, ou seja, que o Brasil adoptasse a ortografia portuguesa de 1911, o que não aconteceu. O pecado original dessa "guerra" ortográfica reside no facto de aquela reforma não ter sido previamente acordada com o Brasil, como o exigia a defesa e promoção da língua portuguesa no mundo.Houve depois várias tentativas de unificação da ortografia do português ao longo do século XX, desenvolvidas sobretudo pela Academia das Ciências de Lisboa em conjunto com a Academia Brasileira de Letras. Em 1945 as duas academias chegaram a acordo, numa reunião em Lisboa. Desse encontro surgiu a chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mas aqui, mais uma vez a parte portuguesa cometeu um pecado capital. É que conseguiu convencer a parte brasileira a adoptar os pontos de vista portugueses, nos quais predominava a perspectiva etimológica.Assim, os brasileiros, que há muito tinham suprimido, para maior facilidade de alfabetização, as chamadas consoantes mudas ou não articuladas em palavras como "acto", "directo", "óptimo", tinham de voltar a introduzi-las na escrita. Ora isso constituía uma violência, que o Brasil não aceitou. Imagine-se como reagiriam os portugueses se agora os obrigassem a reescrever "fructo" ou "victória", com consoantes que há muito foram suprimidas! A lição que colhemos, quer de 1911, quer de 1945, é que Portugal, embora seja o berço da língua portuguesa, não é no mundo de hoje o seu único proprietário.A verdade é que, tendo falhado as duas unificações plenas tentadas em 1945 e 1986, mandava o bom senso que se procurasse uma unificação possível, menos absoluta, mas mesmo assim suficiente, para abranger cerca de 98% do léxico da língua, e necessária, para evitar que a deriva ortográfica, com oito países lusófonos, se venha a acentuar.Outra crítica que advém de certos intelectuais portugueses mais conservadores põe em causa a necessidade sequer de qualquer acordo ortográfico. Sustentam que a língua há-de evoluir nos diferentes países lusófonos e dar origem a outras línguas. Esquecem-se, no entanto, que hoje vivemos num mundo diferente do que existia no tempo, por exemplo, da difusão do latim pela România. Nesse tempo a escolarização era apenas para elites reduzidas, não havia meios de comunicação de massas, como a rádio, a televisão, os jornais. Ora, estes meios exercem hoje sobre a língua uma força centrípeta que leva à preservação da unidade essencial do idioma. Por outro lado, as instituições culturais e políticas dos países lusófonos têm todo o interesse em preservar a língua comum como elo de ligação entre todos e factor indiscutível da sua afirmação no mundo.Uma ortografia unificada torna-se absolutamente necessária às organizações internacionais onde o português é língua de trabalho, aos estabelecimentos de ensino estrangeiros onde se cultiva o nosso idioma, à difusão e promoção do livro em português nos domínios inter-lusófonos e internacional.
in Diário de Notícias, 15 de Março de 2008


Ainda a lista dos melhores livros...

Uma sugestão do poeta José Rui Teixeira:
Considerando o desafio, resolvi alterar algumas regras do jogo: escolhi autores e só depois os livros; separei poetas de ficcionistas e dramaturgos; procurei algum equilíbrio entre uma certa representação mítica de alguns autores, a importância literária de determinadas obras ou simplesmente o facto de me terem marcado num contexto específico de que guardo memória. Não se trata de uma lista definitiva; a escolha dos autores e dos livros aconteceu de um processo natural, sem angústias; e só faz sentido se for devidamente situada.

Ficcionistas

1. Fiódor Dostoiévski, Os irmãos Karamazov, Crime e castigo e Cadernos do subterrâneo;
2. Virgil Gheorghiu, A 25ª Hora;
3. Aldous Huxley, Admirável mundo novo;
4. Georges Bernanos, Diário de um pároco da aldeia e Os vastos cemitérios sob a lua;
5. Fernando Pessoa, O livro do desassossego;
6. Marguerite Youcenar, Memórias de Adriano;
7. Gabriel García Marquez, Cem anos de solidão;
8. Franz Kafka, O processo e A metamorfose;
9. Isidore Ducasse, Os cantos de Maldoror;
10. Vergílio Ferreira, Para sempre e Em nome da terra.

Predomina a literatura estrangeira. Se escolhesse outros autores portugueses, ponderaria naturalmente os nomes de Agustina Bessa-Luís, Saramago ou Lobo Antunes; O remorso de Baltazar Serapião seria um bom pretexto para escolher o valter hugo mãe. No que diz respeito a autores estrangeiros, deixo a referência de outros livros que me marcaram particularmente: O esquecido de Elie Wiesel, Se isto é um homem de Primo Levi, O fim da aventura de Grahm Greene ou o Rio profundo de Shusaku Endo. Tenho o propósito de ler Em busca do tempo perdido de Proust.

Dramaturgos

Aqui não apresento uma lista, na medida em que é uma área que não domino. Li quatro peças de Shakespeare, mas aqui escolho toda a sua obra dramática, pelo que representa. Marcaram-me particularmente À espera de Godot de Samuel Beckett, Assassínio na Catedral de T. S. Eliot e O novo Menoza ou Histótia do Príncipe Tondi de Cumba de Jakob Lenz.

Poetas

No que diz respeito à poesia, também não apresento uma lista, desta vez por ser a área a que mais me dedico. Assim, no contexto da poesia portuguesa, escolho a lírica e Os Lusíadas de Camões e Ou o poema contínuo de Herberto Helder; as obras poéticas de seis autores que me marcaram muito: Antero de Quental, Camilo Pessanha, António Nobre, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Guilherme de Faria; a poesia de quatro poetas já falecidos: Ruy Belo, Luiza Neto Jorge, Luís Miguel Nava e Daniel Faria; e três poetas vivos: José Tolentino Mendonça, Isabel de Sá e Jorge Melícias.

Quanto aos poetas estrangeiros: A divina comédia de Dante, particularmente por aquilo que representa; as obras poéticas de autores tão distintos como Hölderlin, Baudelaire, Rimbaud, Paul Celan ou Sylvia Plath; Anabase de Saint-John Perse, O passo do adeus de Cristina Campo, Matar Platão de Chantal Maillard, Espelho negro e Bela adormecida de Miriam Reyes.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Oficina de Poesia 7ºAno

Ainda Vinicius de Moraes, o poeta brasileiro...
Deixo a interpretação, em vídeo, do poema "Relógio", hoje analisado em aula, no 7ºAno:


Oficina de Leitura 10º Ano

Deixo uma sugestão de leitura para os alunos que gostaram de ler os diários propostos na última Oficina de Leitura...


As memórias dos diplomatas são documentos importantíssimos para percebermos a visão dos portugueses sobre o estrangeiro e sobre o seu próprio país, quando visto de fora. O diplomata, e estou a lembrar-me por exemplo de Eça, é sempre um observador notável e atento do outro, dos seus costumes e da sua cultura. Talvez por isso, este tipo de registo esteja sempre eivado de grande sensibilidade em relação ao estranho / estrangeiro, mas também em relação à pátria, contemplada sob a película da distância e da ausência. São, aliás, esses - os relatos feitos de fora - os mais acutilantes e implacáveis, mas igualmente, os mais imparciais... Este é um dos diários que mais me marcou.
Nascido em 1938, Marcello Duarte Mathias ingressa na carreira diplomática em 1970. Esteve colocado sucessivamente em Brasília, Bruxelas, Nova Iorque, tendo chefiado as nossas embaixadas em Nova Dehli e Buenos Aires. Em Janeiro de 2001 é nomeado embaixador na UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), cuja sede é em Paris, tendo sido jubilado em finais de 2003.
Para descobrir mais, sugiro a consulta deste link, com uma entrevista ao escritor e diplomata:

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Oficina de Poesia 7ºAno

Estes são alguns dos trabalhos que resultaram de uma oficina de motivação para o estudo do texto poético, dedicada, neste caso, aos poemas visuais. Foram agrupados aleatoriamente e pertencem ao 7ºA e 7ºB:

Joana Brandão e Sofia Valente

Catarina Abrunhosa e Tiago Novais


João Carvalho e Tiago Santos

Fábia Alves e Maria Pereira



José Matos e Guilherme Campos

João Silva e Eduardo Pinto

Carolina Pimenta e Rebeca Cohen

Rita Freitas e João Ramalho
Sofia Coelho e Filipa Barbosa

Diana Costa e Ana Rita Campos

Sobre Gabriel García Márquez (o romance e a tentativa de filme)


O amor segundo García Márquez


Ele já tinha ganho o Prémio Nobel e estava dispensado de escrever a obra-prima que eclipsou "Cem Anos de Solidão". Gabriel García Márquez publicou "O Amor nos Tempos de Cólera" (publicado na Dom Quixote) em 1985. Se quiséssemos julgar um grande, um genial escritor, bastariam estes dois livros. Ou, como escreveu Thomas Pynchon num ensaio publicado no "N. Y. Times" em 88, "And - oh boy - does he write well". Como ele escreve bem. "Escreve com controlo apaixonado, de uma serenidade maníaca: a voz Garcimarquesiana que conhecemos da outra ficção amadureceu, encontrou e desenvolveu novos recursos, foi elevada a um ponto onde pode ser ao mesmo tempo clássica e familiar, opalescente e pura, capaz de elogiar e amaldiçoar, rir e chorar, efabular e cantar e, quando chamada a isso, descolar e voar (...)"
Contem com um grande escritor para reconhecer outro. Não foi apenas Pynchon, que por esse tempo era a voz do pós-modernismo e do experimentalismo na ficção americana, a apaixonar-se pelo Amor segundo G. Márquez. Os leitores apaixonaram-se pelo livro e leram-no com uma devoção que os amarraria ao autor. Para os amantes destes amantes, Gabo era perfeito. Eu li o livro numa noite e com o medonho sentimento de que teria uma última página. Um fim feliz e altamente implausível, como toda a história do romance, a do triângulo amoroso formado por uma bela mulher, Fermina Daza, e dois homens que a amam, Florentino Ariza e o Dr. Juvenal Urbino. No caso de um deles, amor eterno e inabalável que espera 51 anos, 9 meses e 4 dias pela sua consumação, a lua-de-mel de dois velhos a bordo de um barco nos rios das Caraíbas. O romance conta uma história em "flash-back", com aquele narrador omnisciente que conhecemos de outros livros do autor. Florentino apaixona-se por Fermina quando ambos são adolescentes e ele é um operador de telégrafo. O amor, platónico e epistolar, alimentado de olhares e recantos, de promessas e sonhos de futuro, é contrariado pelo pai dela, um viúvo e endinheirado negociante de mulas que aspira a encontrar melhor noivo e a fazer da filha uma princesa da sociedade. O "cliché" cor-de-rosa. Florentino, dado aos livros e aos poemas, leitor de Homero e de todo o bicho-careta que escreva versos e epigramas, é separado da sua Fermina jurando-lhe fidelidade e amor eterno, como nas novelas e outros escritos carregados do romantismo literário que ele tanto aprecia.
Virgem, sem pai, vivendo com a mãe, Florentino aspira e suspira até perder a virgindade num barco, violentado por uma mulher desconhecida que o arrasta para dentro de um camarote (e seguimos com a implausibilidade). Assiste de longe ao casamento da amada com um "bom partido", o cobiçado médico Juvenal Urbino, bem-nascido e bem dotado. Urbino é o contraponto de Florentino, um racionalista e homem de ciência, zeloso do progresso e combatente do obscurantismo local. Quer erradicar a cólera da cidade, uma cidade nunca mencionada pelo nome (uma especialidade do realismo mágico, a de dispensar o nome do lugar e interessar-se apenas pela passagem do tempo num lugar) e que é uma mistura das colombianas Cartagena das Índias e Barranquilla. O casamento produz vários filhos, navega os escolhos que cimentam a relação conjugal. Um afecto de casal feliz assente na plácida contratação de hábitos e interesses. Florentino anda pelo seu mundo fornicando mulheres às centenas, apanhadas na rede do seu coração vazio, como ele diz. Aponta os números num diário de amante obsessivo e metódico. Florentino torna-se o dono da Companhia Fluvial das Caraíbas que pertencera a um tio protector e é agora um homem importante e rico, como o velho Daza teria estimado. Um dia, Urbino morre perseguindo um papagaio num jardim tropical. Florentino está deitado com uma menina de 14 anos que prometera cuidar, pedófilo consolado aos setenta e tal anos, traidor da confiança alheia, e sente que a sua hora chegou. Despede a menina, uma criança bonita que se apaixonara por um velho (a implausibilidade...) e corre atrás de Fermina, que acaba por ceder e embarcar num fluvial cruzeiro romântico com o sempre-noivo.
Nada disto faz o menor sentido a não ser pela prosa e pela construção de García Márquez. Pela linguagem e a descrição. A técnica e a composição. O uso da metáfora e da alegoria, visível no título. Florentino tem toques de personalidade desprezíveis, e a pobre América Vicunã, a menina abandonada, mata-se. Urbino engana a mulher. Fermina é calculista e superficial. Nenhum destes três é perfeito numa história imperfeita. A perfeição vem de quem a escreve, e, oh boy! Nas conversas de "Cheiro de Goiaba", Márquez considerou que só existe uma obrigação para um autor, escrever bem. Por esta razão, o filme falhado que anda por aí tenta reproduzir uma história implausível. Fica-se pelos cenários naturais e os actores (e torna a menina América adulta, sem a matar). A linguagem do escritor, de fora do filme, deixou o livro de fora. E o livro é um dos mais subversivos romances que se escreveram até hoje (tão subversivo como a Lolita de Nabokov, com quem Márquez partilha um gosto "cultural" por ninfas).
Clara Ferreira Alves, in Única, Revista do Expresso

El Ateneo - uma livraria mítica...



A propósito de Memórias de Viagens, deixo um texto que me foi enviado pela Drª. Auxília Ramos, sobre uma livraria muito especial, em Buenos Aires:


As poucas horas que passei na Livraria El Ateneo, em Buenos Aires, não chegaram para saciar tanto a curiosidade de admirar o espaço físico, como o desejo de percorrer avidamente as estantes de livros, à descoberta de uma qualquer novidade... Detive-me nos escritores argentinos, claro!, e não resisti a "revisitar" os escritores lusos, dos quais se destaca, invariavelmente, Saramago.

O edifício da livraria foi outrora um cine-teatro, o Gran Splendid de Buenos Aires. Sob a orientação de Fernando Manzone, autor de importantes trabalhos na área da intervenção arquitectónica, a recuperação do antigo teatro teve a preocupação de respeitar, conservar e restaurar a construção original, datada de 1903, adaptando-a, no entanto, às necessidades da sua nova função.

A actual livraria mantém, desse modo, a distribuição dos antigos espaços do teatro, nomeadamente, os acessos, a sala de projecção, os camarotes e o palco. O fresco da cúpula, pintada na década de 1920 pelo artista italiano Nazareno Orlandi, foi restaurado pela pintora Isabel Contreras e prende, por alguns minutos, o nosso olhar. A venda de livros ocupa três pisos: o subsolo dedicado à literatura infantil; o rés-do-chão onde se situam o salão principal (antiga plateia), espaços para leitura e um café (outrora palco); no primeiro andar, dedicado também à música, encontram-se os camarotes que servem de recatados gabinetes de leitura.Os andares superiores estão reservados a exposições de artes plásticas e acesso à Internet.


Quando a oferta é enorme, a escolha torna-se difícil! Pressionada pelo tempo e assediada por um dia magnífico de sol, acabei por comprar uma das novelas de Julio Cortázar, "Divertimiento" ( não estivesse eu de férias e em Buenos Aires!). E em castelhano, claro!

Aqui fica um excerto. Quem sabe um desafio...
"Ahora esperen, la sombra de la menta en los labios, el origen sigiloso de ciertas bebidas que se degustan bajo luces de humo, tornan alguna vez como palabras y se agregan al recuerdo para no dejarlo andar solo bajo las antiguas lunas. ("Buen poema", me dijo Marta al oído mientras escribía velocíssima.)"