domingo, 20 de maio de 2012

Poesia e(m) companhia

Deixo o interessante trabalho de intermedialidade dos alunos de 10ºano, que associaram à poesia motivos da pintura, música, cinema e da própria poesia...


Poema 1

ANIVERSÁRIO

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos, 1929



A Desintegração da Persistência da Memória, Salvador Dalí



Poema 2

Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado
é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

Someone like you, Adèle

Never mind, I'll find someone like you

I wish nothing but the best for you, too

Don't forget me, I beg, I remember you said

Sometimes it lasts in love

But sometimes it hurts instead

Sometimes it lasts in love

But sometimes it hurts instead, yeah.






Poema 3

Eu me perdi na sordidez de um mundo
Onde era preciso ser
Policia agiota fariseu
Ou cocote

Eu me perdi na sordidez do mundo
Eu me salvei na limpidez da terra


Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca
Um navio da costa se afastou
Sem me levar

Sophia de Mello Breyner











Poema 4
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ei-lo que avança
De costas resguardadas pela minha esperança
Não sei quem é. Leva consigo
Além de sob o braço o jornal,
A sedução de ser seja quem for,
Aquele que não sou.
E vai não sei onde
Visitar não sei quem
Sinto saudades de alguém
Lido ou sonhado por mim
Em sítios onde não estive
Há uma parte de mim que me abandona
e me edifica nesse vulto que
cheio de ser visto por mim
é o maior acontecimento
da tarde de domingo

Ei-lo que avança e desaparece
E estou de novo comigo
sobre o asfalto onde quero estar

Ruy Belo

“Ela Canta Pobre Ceifeira”

Ela canta, pobre ceifeira
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz à o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.

Ah! canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa, Cancioneiro


Poema 5
De mansinho ela entrou, a minha filha.
A madrugada entrava como ela, mas não
tão de mansinho. Os pés descalços,
de ruído menor que o do meu lápis
e um riso bem maior que o dos meus versos.
Sentou-se no meu colo, de mansinho.
O poema invadia como ela, mas não
tão mansamente, não com esta exigência
tão mansinha. Como um ladrão furtivo,
a minha filha roubou-me a inspiração,
versos quase chegados, quase meus.
E mansamente aqui adormeceu,
feliz pelo seu crime.

Ana Luísa Amaral, “Às Vezes o Paraíso” (1998)

Filme “Crianças Invisíveis”: “Song Song and Little Cat” de John Woo.



Enviado por Auxília Ramos

Ler - maio

terça-feira, 1 de maio de 2012

O poema


Ouvir o poema para poder falar dele. – Nuno Júdice

"Um poema, um verdadeiro poema, no qual todas as palavras estão carregadas de significado, os versos fluem musicalmente e a mensagem se solta numa leitura que privilegia a perceção sensorial, não necessita de auxiliares de leitura, pois tudo o que há a dizer está dito, no que foi efetivamente dito e no que não foi." – Duarte Magano

“Para uma composição ser verdadeiramente um poema, o recetor tem de compreender o que o poeta inscreveu nessa composição, sem que haja necessidade de o discutir, de o comparar.” – Maria Francisca Cunha

“Um poema, na sua essência, não precisa que ninguém o complemente, pois já transmite tudo o que é realmente necessário saber.” – Ana Figueiredo

"Um poema, quando executado na perfeição, é capaz de nos revelar todos os segredos pela palavra, desvendando a sua mensagem oculta." – João Sousa

“Um poema é espelho da alma do leitor. Mas, ao invés de vermos apenas um reflexo, conseguimos observar e explorar, sem desvios, todos os recantos até ao mais ínfimo pormenor. “ – António Pedro


Congresso Internacional Vergílio Ferreira

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