segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"La Cathédrale Engloutie"


Para ler com banda sonora (aqui)
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O silêncio é profundo, espesso e já ensurdecedor. O silêncio torna-se leve, pouco a pouco, e tudo o que nos parecia ensurdecedor se transforma. Aqui, os peixes são como murmúrios de tempos outrora felizes. Caminham entre os corais de mil cores esverdeadas, e entendo-lhes o sorriso de um mundo fascinante de calma aquática. Mais longe, no céu, uma espécie de grande pérola ilumina este ilusório abismo, e cresce, cresce. Na tona da água, um velho risonho, de remos enrugados, segue a sua viagem, sem destino concreto, sem qualquer outros sonhos a desejar, como se a vida já não lhe chegasse. Cerca com os olhos gastos de tantas tristezas do mundo os peixes e os seus sorrisos. Talvez pense que podia ser um deles, não um homem outrora feliz, mas um peixe agora feliz.
O silêncio é profundo, espesso e já ensurdecedor. É leve, pouco a pouco. Os peixes caminham entre destroços de um lugar de murmúrios de tempos outrora felizes. Iluminam-se primeiro alguns pináculos, aparecendo do abismo, depois o pigmento de um mundo inteiro. A Catedral submersa! Toda a vida oceânica se enche de um manancial de abundância, numa explosão colorida de breves feixes de luz, um arco-íris desordenado e marítimo. A terra move-se, em torno, e cresce, cresce. Os rochedos rasgam-se, as plantas esvoaçam, os crustáceos rangem e as baleias embalam o ritmo. A agitação das águas afaga o barco do pequeno velho. Este, sem mais demoras, rema tanto quando pode como se adivinhasse o seu destino. Do seu bote avistam-se já esses pináculos, e toda a Catedral se ergue do mar, trazendo consigo a agitação aquática que a envolve. A Catedral Submersa regressa ao sítio onde outrora fora feliz. E o velho pára, olha em redor, sorri… e regressa aos tempos outrora felizes. E o velho pára, uma vez mais, e reconhece os tempos em que outrora fora feliz. Num breve segundo que ficou suspenso, a Catedral envolve-se no seu próprio canto e retorna ao mar como que sugada rapidamente. O velho risonho, entre as ondas, torna a si e tenta, num último esforço, remar. Para um homem de olhos gastos, as ondas são fortes rivais. E depois, num momento de lucidez, deixa-se ficar, permanece quieto. Pensa em tanto quanto pode, fecha os olhos e levanta-se. O mar engole tudo.
Uns dias mais tarde o corpo dá à costa e ninguém dá pela sua falta.
Os amigos haviam já sofrido o mesmo fim. O velho sozinho e risonho tornara-se o que desejara, um peixe feliz, como nunca fora, num lugar feliz, onde nunca estivera. “O mundo devia ser feliz” murmurou, lá do fundo.
A Catedral não voltou a aparecer durante anos, talvez porque ninguém precisava dela, ou talvez porque ninguém podia abdicar das pessoas que sentem a nossa falta. De qualquer modo, quando a Catedral regressou, foi por tão pouco tempo, que apenas aqueles que se aperceberam da calma e da paz que ressoavam por esses dias repararam nela.
Ana Luísa, 12E
(Enviado por Auxília Ramos)

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