domingo, 18 de setembro de 2011

António Lobo Antunes no Teatro São Luiz





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"Deste viver aqui neste palco escrito"
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Foram três dias (de 15 a 17 de setembro) de festa literária, com um programa multifacetado e preenchido: o espetáculo de Maria de Medeiros; o filme de Solveig Nordlund; a leitura posta em som por José Neves; o lançamento de Facts and Fictions of António Lobo Antunes, do centro de Cultura e Estudos Portugueses da Universidade de Massachussetts, e uma mesa redonda, moderada por Maria Alzira Seixo e que contou com a participação de João Lobo Antunes e Eduardo Lourenço.

O jardim de inverno do São Luiz, mergulhado na poalha de luz do crepúsculo, encheu-se de mesas atentas e de um silêncio nervoso e suspenso. Num ambiente intimista e informal, que contou com a presença do escritor homenageado, Maria Alzira Seixo conduziu a conversa sobre a obra e os temas antonianos.



Phillip Rothwell referiu-se, na sua intervenção, à importância da memória nas crónicas e nos romances de Lobo Antunes. Segundo este investigador, a imaginação do autor é uma forma de organização da própria memória. De facto, embora parta de um campo referencial autobiográfico, o escritor parece despersonalizar-se e apagar a noção de individualidade da escrita, desconstruindo-se, numa temporalidade íntima que se converte em intemporalidade e desejo de posteridade. Um dos aspetos mais interessantes que o especialista fez notar prende-se com a omnipresença da imagem do relógio, numa intrigante reconfiguração do próprio texto e confirmando a suspeita de que a memória é a principal matéria da narração.


Seguiu-se João Lobo Antunes, irmão do escritor, que se deteve especialmente sobre o caráter autopatográfico do livro Sôbolos rios que vão. É uma narrativa, quase tchekhoviana, da doença que enfrentou em 2009, urdida ao longo de uma diacronia caótica, de coerência tensa, abundante em personagens e em alusões autobiográficas. O herói é o narrador que se refugia nas memórias da infância, nos fragmentos do património familiar. Neles encontra a principal matéria para a rede metafórica sobre a qual se funda a linguagem do romance. João Lobo Antunes, o médico, ressalta o poder de imagens como a do "ouriço", a que o autor recorre para se referir ao "cancro", ou a da "peça teatral" para designar a doença, ou ainda a do "nevoeiro" para a anestesia. Metáforas biológicas inusitadas e inaugurais. Conclui, comparando António, o irmão mais velho, a Ulisses e a D.Quixote, e a doença à viagem. Depois de errar durante muito tempo, Ulisses regressa a Ítaca e a Penélope, encontrando finalmente o porto tranquilo...





Maria Alzira Seixo, por seu turno, centrou-se na exegese literária, desenvolvendo o topos da vacilação/proliferação. De ressonância camiliana, a linguagem antoniana é um terreno fértil em mutação, em hesitação. O discurso abre brechas, a sintaxe afetiva é notória: frases curtas, suspensas, cortadas, apenas completadas nas páginas seguintes; um labirinto que requer a paciência e sageza do leitor. A investigadora e especialista destaca, como obra-prima, Boa tarde às coisas aqui em baixo, a prova de que Lobo Antunes soube ler bem os clássicos e reinterpretá-los, inovando.

Por fim, Eduardo Lourenço, numa intervenção mitogónica e filosófica, apontou As Naus como obra de eleição. Nela diz ter o autor naufragado no luto do império perdido, convertendo essa memória épica em farsa burlesca. Os heróis perdidos são reciclados e o mundo surge sem os fumos da Índia. Já nas suas crónicas, Lobo Antunes, em laivos surrealizantes, constrói imagens como a de uma nuvem com raízes sempre a partir, ou a de um comboio mágico, que refletem um exercício de autocompreensão do seu próprio outro. A infância é o seu paraíso. E, mais uma vez, o papel da memória: o escritor tem o gesto de um deus que se suicidou na sua criação e que, como Deucalião, está em cada fragmento desse caos. O filósofo e ensaísta concluiu descrevendo a escrita de António Lobo Antunes como um "exercício épico da memória numa navegação sem bússola pelo arquipélago da desolação (...), entre o êxtase e o aniquilamento (...), até voltar a um nada de que não nasceu".
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