domingo, 21 de outubro de 2012

Ainda Manuel António Pina...

Manuel António Pina e Fernando Pessoa: o fingimento poético
(retirado de http://www.educaremportugues.com/)

   "Eterna criança, o homem é naturalmente atraído pelo carácter fundamentalmente lúdico que anima todas as formas de arte, pelos jogos de palavras, pelo misterioso poder que têm as palavras, não só para designar o  mundo, mas também para criar o mundo. De facto, a literatura é, sobretudo, uma arte de fazer de conta; é, como Blanchot diz, ilusão; ou fingimento, como, por sua vez, diz Pessoa. Quando lemos um livro, suspendemos a incredulidade. À porta de qualquer obra literária está sempre a inscrição: “Para aqui entrares, tens que fazer de conta que acreditas”.

   O poeta [a poesia é o campo de observação por excelência da literatura pois a poesia é, talvez, literatura em estado puro] o poeta, dizia eu, escreve, ou faz de conta, com a mesma seriedade com que uma criança  brinca. As fronteiras teóricas entre literatura e verdade, entre Dichtung e Wharheit, são, como nos jogos infantis, hesitantes e imprecisas. Para os românticos [e românticos, ou seus herdeiros, todos nós somos, ou ainda menos] a dor é a mãe de toda a verdadeira poesia. Mas a dor e o sofrimento sinceros, isto é, sem fingimento, são a mãe [e o pai, e a família toda] da maior parte da má poesia que se escreve. Muita da grande poesia pode ter nascido da dor, mas o que a autonomiza da dor e a diferencia do mero espasmo doloroso é o fingimento, a capacidade de o poeta fingir “a dor que deveras sente” tornando-a poeticamente verdadeira. A poesia é forma, e essa é a sua verdade. Se a dor do poeta que eventualmente terá gerado o poema é “verdadeira” ou “falsa”, a sua verdade por assim dizer “vivida”, é assunto, como diz Jacobson, com interesse apenas para a Medicina Legal. (...)

   Na poesia, as palavras e as suas relações são as formas que os nossos sentimentos ou a memória deles tomam. Com elas, o poeta, como a criança brincando, cria, escrevendo, uma verdade outra, tão ou mais verdadeira. Uma verdade autónoma, cuja autenticidade não depende da verdade ou  da não-verdade do sentimento [e quem diz sentimento diz pensamento ou mera impressão ou emoção] que eventualmente lhe terá estado na origem. "
 
Texto completo aqui.

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