domingo, 12 de julho de 2009

Ainda Amin Maalouf...

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A "Visão" desta semana traz uma breve entrevista com este escritor contemporâneo que, em tom de desafio, afirma "Estamos a viver o fim da Pré-História da Humanidade", ao mesmo tempo que sublinha a premência de um debate sobre a identidade da Europa e a necessidade de "uma civilização global". Uma boa motivação para a descoberta do mundo literário de Amin Maalouf, que nasceu árabe e vive numa sociedade ocidental - dupla condição que o leva a afirmar: «O Ocidente precisa de sair do excesso de confiança em si mesmo, enquanto o mundo árabe precisa de sair do poço histórico em que caiu.»
Auxília Ramos

1 comentário:

auxília disse...

UM GRANDE SENHOR DA LITERATURA,

COM INVULGAR VISÃO POLÍTICA

por Mário Soares

1. Na última quarta-feira, esteve por uns dias em Portugal, o escritor e jornalista libanês, Amin Maalouf, como hóspede da Fundação Gulbenkian. Respondeu a perguntas que lhe foram feitas por Antóno Vitorino, perante um público atento e de qualidade, parte do qual conhecia razoavelmente a obra literária e histórica de Amin Maalouf (muita da qual está traduzida em português) e os importantes artigos que escreve, regularmente, na imprensa internacional. Foi um sucesso, embora eu não tenha podido estar presente. Mas a minha Mulher que ouviu o debate, veio de lá entusiasmada e contou-me.

Felizmente, foi possível convidá-lo para jantar em nossa Casa - e a sua simpatiquíssima Mulher, que é socióloga - com alguns amigos comuns, na sexta feira passada. É uma personalidade encantadora, com uma grande lucidez de espírito e uma vastíssima cultura árabo-muçulmana e europeia (sobretudo francesa) visto viver em França, desde 1976, onde foi jornalista do "Jeune Afrique" e do "Nouvelle Observateur". É o autor do livro histórico "As cruzadas vistas pelos Árabes" e de livros de ficção como "O Rochedo de Tânios", "Leão o Africano", "Samarcanda", "O Século Primeiro depois de Beatriz", "Os Jardins de Luz" e outros, traduzidos em português e publicados pela Difel.

Além disso, é um homem de visão, muito atento e critico à situação do Mundo, neste início do século XXI, onde a humanidade corre tantos riscos. O último livro que publicou, em francês, traduzido pela prestigiada editora Grasset, intitula-se "O desregulamento do mundo". É um livro de um grande politicólogo com uma visão segura da crise global que vivemos, mas também sobre a luta contra o terrorismo e a pirataria, os conflitos latentes, religiosos e políticos que se agudizam no Médio Oriente, sobretudo a hostilidade latente entre Israel e a Palestina e o problema ambiental, porventura, o mais grave de todos, que pode tornar o mundo invivível.

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No entanto, considera que há um factor de esperança "desde o começo do espantoso ano de 2008: a afirmação de Barack Obama, o símbolo e o homem: o regresso da América esquecida, a de Abraão Lincoln, de Thomas Jefferson e de Benjamim Franklin. Noutros termos, o despertar, em sobressalto, de uma grande nação, consecutivo à crise económica e aos seus atascamentos militares". (vide Le deréglement du Monde, pag.311).

Amin Maalouf deu uma grande entrevista à jornalista Alexandra Lucas Coelho, que saiu no público de 10 de Julho passado. Aconselho vivamente a sua leitura, visto que, a partir dela, os leitores podem fazer uma reflexão muito objectiva e lúcida sobre o mundo em que lhes é dado viver.

Quando a jornalista lhe pergunta por Obama, Maalouf respondeu, sem hesitação: "Li os seus livros. Vi e ouvi os discursos. Ele não fala ao instinto; fala à razão. E essa é a verdadeira atitude democrática. Tentar convencer em vez de manipular. Desenvolver argumentos. Senti que intelectualmente e eticamente se situa a um nível muito alto. Não fui indiferente ao seu background, porque é importante, sobretudo depois dos anos Bush, ter uma pessoa nos Estados Unidos com a qual o mundo se possa identificar. É essencial. E miraculosamente ele veio". Mais adiante a jornalista pergunta-lhe: "e se Obama falhar?" Resposta: "é uma tragédia para a América, para o Ocidente e para o mundo" [...] "se conseguir terá enorme impacto na evolução do mundo. Se conseguir reconciliar o Ocidente com o mundo árabe e islâmico, e o mundo árabe com o judeu; se começar um verdadeiro processo de reverter as mudanças climáticas e o aquecimento global; e se resolver a crise económica, que é a mais difícil e a menos difícil das três tarefas"...

(Fundação Mário Soares, 14 de Julho 2009)