segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Musicografias

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Dei por mim estes dias a pensar que nós, portugueses, e eu, em particular, não valorizamos a cultura brasileira. Frequentemente por desconhecimento, mas também por algum desdém fruto de, nas nossas mentes, os brasileiros ainda serem de algum modo apenas os colonos pouco relevantes que deixámos na terra que (petulantemente) dizemos que descobrimos. Ou talvez se prenda com o facto da minha geração ter crescido apenas com a imagem do Brasil que nos chegava pelas telenovelas. Mas o país de Niemeyer, Luis Fernando Veríssimo, Clarice Lispector (já aqui falada), Chico Buarque, Tom Jobim, e muitos, muitos mais não pode, claramente, ser entendido como um deserto cultural, mas como um meio muito rico cultural e intelectualmente falando.
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A minha escolha deste mês vai para uma música de Chico Buarque, que se questiona como somos, porque somos, e porque nem sempre nos reconhecemos no que fazemos. Chama-se "O que será": "feita para o filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", a canção "O Que Será" tem três versões, que marcam passagens diferentes da trama: "Abertura", "À Flor da Pele" e "À Flor da Terra". Cantada no filme por Simone, a versão "À Flor da Terra" (três estrofes de doze versos) alcançaria grande sucesso na gravação de Chico Buarque e Milton Nascimento, que abre o LP Meus caros amigos. "O Que Será", em qualquer das versões, é uma obra-prima, no nível das melhores criações de Chico Buarque, com sua melodia forte e sua letra libertária, um tanto ambígua em certos aspectos: "O que será que será / que todos os avisos não vão evitar / porque todos os risos vão desafiar / porque todos os sinos irão repicar / porque todos os hinos irão consagrar..." Em 15.9.92 (...) declarou ao Jornal do Brasil: "acho que eu mesmo não sei o que existe por trás dessa letra e, se soubesse, não teria cabimento explicar..." [cfr www.chicobuarque.com.br]Pois então, o que será?
Joaquim Silva


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