sábado, 18 de fevereiro de 2012

Exposição "Fernando Pessoa, plural como o universo"

Exposição sobre Fernando Pessoa na Gulbenkian

De 10 de fevereiro a 30 de abril, a Fundação Calouste Gulbenkian recebe a exposição "Fernando Pessoa, Plural como o Universo", concebida e organizada pela Fundação Roberto marinho e pelo Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, onde foi inaugurada em agosto de 2010, tendo depois sido mostrada, em março de 2011, no Centro Cultural Correios, do Rio de Janeiro.

O objetivo da exposição é oferecer o vastíssimo painel de uma vida-obra e de uma obra-vida, confrontando o visitante, etapa por etapa, com um relato dos acontecimentos biográficos na sua íntima relação com a formação e a criação literária do poeta.

A exposição tem uma forte componente multimédia e interativa: filmes, vozes e sons, poemas ditos, páginas de livros e poemas que, com um só toque do visitante, se alternam e desfolham. Inclui ainda documentos inéditos, pinturas e alguns objetos que nunca foram expostos em Portugal.

Paralelamente, e em colaboração com a Casa Fernando Pessoa, são realizadas atividades complementares, entre as quais um programa educativo que inclui visitas-jogo, visitas orientadas e oficinas de escrita e teatro, para escolas e grupos organizados.

Deixo alguns links úteis:




E o testemunho de Guilherme d'Oliveira Martins:


Fernando Pessoa, Plural como o Universo

A exposição «Fernando Pessoa, Plural como o Universo», no âmbito do Ano do Brasil em Portugal, resulta de uma iniciativa do Museu da Língua Portuguesa com o apoio das Fundações Roberto Marinho e Calouste Gulbenkian e apresenta-nos o multifacetado autor português como um dos símbolos do século XX. Os seus escritos são uma oportunidade extraordinária para compreendermos a relação do poeta com o mundo e a sua intuição genial para no-la revelar a partir de diversas perspetivas e personalidades.

 
SINGULAR LEITURA DO UNIVERSO

Fernando Pessoa representa o seu tempo de um modo singularíssimo, ligando a leitura do universo à circunstância de ser português – esse curioso casamento entre a história de um povo que o escritor procura interpretar e uma reflexão cosmopolita e universalista, que assume com todas as consequências, é uma característica única, que torna fascinante a leitura de uma obra caleidoscópica, que não pode ater-se a uma cultura particular. Contudo, sem ser redutora, a perceção da identidade própria é feita à luz de uma consciência universalista. Como disse Eduardo Lourenço no fecho do seu imprescindível «Pessoa revisitado», o poeta «foi uma espécie de aparição fulgurante descida das brumas culturais alheias ao nosso desterro azul, para nele inscrever em portuguesa língua o mais insubornável poema jamais erguido à condição exilada dos homens na sua própria pátria, o universo inteiro». Assim se podem entender os paradoxos e as contradições que tantas vezes encontramos e que mais não são do que a aceitação de que uma cultura é sempre complexa e heterogénea, abarcando elementos diversos. Estamos perante a imperfeição de que fala Lourenço, que exige sempre a abordagem de diversos caminhos, sobretudo evidente numa cultura como a portuguesa, nascida originalmente numa finisterra de múltiplas presenças e depois espalhada pelo mundo como cultura de várias línguas e língua de várias culturas. A relação entre o ortónimo pessoano e os principais heterónimos (Caeiro, Reis, Campos e Soares) corresponde, assim, a uma curiosa representação da pluralidade do universo. A modernidade de Pessoa tem, no fundo, a ver com essa projeção, que nos leva ambiguamente ao conceito de Quinto Império – incompreensível sem referência a Vieira, o imperador da língua portuguesa, e sem ligação à espiritualidade da comunicação. Em vez de um projeto de domínio temporal, estamos diante da exigência de um diálogo, em busca da diferença. No entanto, diálogo obriga a que cada um e cada cultura se afirmem tal como são, sem a tentação de se dissolverem mutuamente. Por isso mesmo Caeiro, Campos ou Reis são profundamente diferentes, e Fernando Pessoa, ele mesmo, tem uma perspetiva própria e diferente sobre a vida e o mundo.

A CONSIDERAÇÃO DOS MITOS

«Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade» - afirmou Pessoa. E António Quadros disse que «mais perto andaremos do pensamento de Fernando Pessoa» se virmos os heróis da «Mensagem» como «protagonistas de um macromito, com seus símbolos e cifras, o mito do Regresso ao Paraíso, dentro do qual se desenvolvem os micromitos de um Portugal – eleito de Deus, em ação profunda no duplo plano do ideal cavaleiresco e do inconsciente coletivo nacional…». Ora, os mitos permitem interrogar as raízes e o desenvolvimento de uma identidade, e essa abordagem crítica abre as portas para a superação de uma mera lógica defensiva ou retrospetiva. Nesse sentido, compreende-se que os amigos presencistas de Pessoa tenham lamentado a publicação da «Mensagem» antes do outro manancial poético do autor. O poeta não deixou de concordar junto de Adolfo Casais Monteiro, mas preferiu falar de um momento crítico de «modelação do subconsciente nacional». Mas será Eduardo Lourenço, ainda ele, quem melhor articulará a necessidade crítica da consideração dos mitos pessoanos com a interrogação de Antero de Quental sobre «as causas da decadência dos povos peninsulares», com a obrigação crítica da geração de 1870 e em especial de Oliveira Martins, com a vontade de renascimento de «A Águia» e com o ensaísmo seareiro. A heterodoxia do autor de «O Labirinto da Saudade» tem a ver, afinal, com a recusa das escolas dominantes ou dos grupos instalados, mas sobretudo pretende obter liberdade para seguir a necessidade crítica não acomodada à lógica positivista – de modo a partir dos mitos, a fim de poder compreender a sociedade e a cultura na riqueza das suas idiossincrasias. Afinal, Pessoa dissera sobre «Orpheu» a Cortes-Rodrigues que tinha como objetivo «agir sobre o psiquismo nacional», trabalhando-o por «novas correntes de ideias e emoções», sendo uma espécie de «ponte por onde a nossa Alma passa para o futuro». Eis por que motivo qualquer leitura superficial ou unívoca da obra pessoana pode conduzir num sentido redutor e incapaz de a compreender. Alberto Caeiro, o mestre, assume o panteísmo naturalista. Diz Campos: «O meu mestre Caeiro não era um pagão: era o paganismo». «Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza. / Murcha a flor e o seu pó dura sempre. / Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua. / Passo e fico, como o Universo». Ricardo Reis afirma a nostalgia dos deuses gregos e romanos, Álvaro de Campos é o cantor da civilização mais moderna. Fernando Pessoa procura transcender, reunir, completar («seria um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro»). Segundo Quadros trata-se de uma catarse, pela qual podemos, a um tempo, encontrar o poeta em toda a sua riqueza interior multifacetada, bem como entendê-lo em toda a sua capacidade de se revelar numa ascese emancipadora. Anselmo Borges fala do «seu balancear constante, triturante, paradoxal e contraditório entre a Presença e a Ausência».

O ENTENDIMENTO DOS SÍMBOLOS

Há um pequeno texto de Fernando Pessoa, em «Sobre Portugal», que trata do provincianismo. Muitas vezes tem sido referido e citado, talvez como um juízo definitivo, que não é. Do que se trata é da definição de uma atitude crítica contrária do conformismo. «O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela – em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. A síndroma provinciana compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e a admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade da ironia». O poeta pensa na necessidade de haver escóis, de haver uma aristocracia comportamental, de se cultivar a abertura e o cosmopolitismo, de superar uma tripla camada de negativismo: a decadência, a desnacionalização e a degenerescência. Não importará tanto ver circunstancialmente o que significa cada uma destas preocupações. A ilusão do progresso ilimitado, a tentação de não cuidar do futuro, o fatalismo e a indiferença – tudo isso está em causa. E o certo é que a ironia ganha uma especial importância. É fundamental sermos capazes de nos vermos projetados no espelho da crítica. A poesia encarrega-se de perscrutar diversos caminhos. Mais do que encontrar soluções, que não cabem à arte, trata-se de iluminar e de ajudar a ver. Impõe-se, porém, cuidar do entendimento dos símbolos, o que obriga à consideração, segundo Pessoa, da simpatia, da intuição, da inteligência, da compreensão e do conhecimento transcendente. Tem o intérprete de sentir simpatia pelo símbolo. Tem de ser capaz de ver o que está para além dele. Tem de saber interpretá-lo. Tem de o entender. E tem de apreender o seu sentido e significado. Eis por que a criação cultural se torna fundamental, por contraponto às ilusões do provincianismo…
Guilherme d’Oliveira Martins

(Enviado por Auxília Ramos)

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