sábado, 17 de novembro de 2012

"75 anos de história e um palacete"

 
No dia 7 de novembro, decorreu no auditório o lançamento do livro "75 anos de história e um palacete". A iniciativa partiu do Pré-Escolar, sob a coordenação da Drª Cristiana Nogueira, e contou com a colaboração / supervisão estética e artística da Drª Sofia Brandão e da Designer Marina Soares (antiga aluna), que enquadraram as ilustrações dos mais pequeninos (turmas dos 3,4 e 5 anos, ano letivo 2011/2012).
 
                                     
 
Numa cerimónia emotiva e muito especial, que encerrou as comemorações dos 75 anos do Colégio Luso-Francês, foram projetados pedaços da memória coletiva, através de textos de antigos alunos e professores. Na assistência, estavam várias gerações, famílias inteiras que encontraram no CLF a sua casa. 
 
Publicamos as fotografias e alguns dos textos que marcaram a efeméride.






 
 
 Testemunhos

1.
 
A ligação da Família Campos Monteiro ao Colégio Luso-Francês remonta à origem do próprio Colégio, tendo sido várias as gerações que, ao longo destes 75 anos, por esta casa passaram.
 
Nesta ocasião, cumpre à Família Campos Monteiro prestar um profundo agradecimento ao Colégio que, tanto e tão bem, tem contribuído para formar e educar as várias gerações da Família: trabalho árduo de transmissão de valores e princípios que, em muito, tem enriquecido o ideário desta família. Parabéns ao Colégio e a todos quanto fazem parte desta grande família que tanto nos orgulha de ter como seus filhos!
 
75 anos e 4 gerações volvidas, que mais poderemos dizer?
Não basta ter começado, é preciso continuar…
  
Campos Monteiro
 
2.
(…) Nesses anos, pontificavam no Colégio: a figura afável e respeitosa da "Ma Mère"; a austeridade terna da Irmã Ana Maria; a bonomia expansiva do Padre António Lopes; a discrição da Irmã Celeste, a extroversão da Irmã Helena; a reserva eficiente da Irmã Aurora. (…) Tenho boa memória do Professor Paulo Pombo, deixando transparecer no rosto de matemático o lirismo inspirado da letra de "Os amores do estudante"  (…) e da Professora Manuela Milheiro, com sua simpática tranquilidade histórica.
Eu tinha sido solicitado, (…) para dar uma colaboração ao Colégio na docência da Literatura Portuguesa, o que, por absoluta falta de tempo e com muita pena minha, só pude prolongar por dois anos letivos, os suficientes, porém, para guardar até hoje uma
gratificante recordação dos valores educacionais e da cultura de qualidade de ensino que ali se respirava, para benefício dos alunos e das suas famílias.
Nunca tendo perdido verdadeiramente o contacto com o Luso-Francês, especialmente através da Irmã Ana Maria, que jamais se esquecia de me mandar um cartão de aniversário ou de me telefonar no dia dos meus anos, retomei mais de perto o meu interesse pelo Colégio, quando a minha neta, Leonor Miguel, em
iluminada decisão dos seus pais, aqui iniciou a sua escolaridade (…).
Professor Doutor Salvato Trigo
(Reitor da Universidade Fernando Pessoa)
 
 
3.
 
(…) O que aqui deixo são memórias. Memórias que partilho numa deriva despreocupada por pedaços de vida, experiências, emoções, sentimentos… O sabor dos gelados da “casinha” (que inauguravam os primeiros dias de calor, ou que anunciavam o final das aulas e o início das férias de verão); o cheiro da cera fresca no soalho que perfumava o início de cada período letivo; os risos que rolavam nos eventos festivos; as lágrimas dos insucessos ou desencantos; os segredos das primeiras paixões; as cumplicidades partilhadas a propósito de tudo e de nada; a emoção de um qualquer encontro fora dos muros do colégio e longe da vigilância da Irmã Ângela; os passeios na quinta à conversa com o Sr. António; as palavras doces ou ásperas, mas essenciais; o casamento celebrado na capela; a ansiedade do primeiro dia de aulas como professora (…) o constrangimento da entrada na sala de professores, durante muito tempo território interdito; a angústia da primeira avaliação dos alunos; o choro de uma filha na hora do batismo; o afeto dos novos amigos que alicerça a nossa vida; a perda de velhos amigos que nos fragiliza; as memórias que foram nossas e que passam a ser nós próprios…
Tudo isto vem à memória e tudo isto faz do Luso-Francês não apenas uma casa de educação, mas um “lar”(…)
Auxília Ramos (Professora e antiga aluna)
4.
 
Passaram-se doze anos desde que deixei o colégio, mas ele sempre esteve como pano de fundo, como pensamento atrás de um pensamento, em vários momentos da minha vida. Escolhi ser professora talvez porque não me imaginava a fazer algo que não fosse a continuação daquilo que o colégio me deu. E porquê? Porque no colégio eu sentia-me bem. Sentia-me bem. Quem lá estudou entenderá o que quero dizer; quem lá estudou não precisará de muito mais explicações. O colégio era como uma casa. Era a nossa segunda casa. E porquê? Porque os corredores da infantil cheiravam a pão com manteiga e a iogurtes, e os cubículos dos pianos a pó e a maçãs. Porque havia uma janela à saída da quinta que era perfeita para se ler A História Interminável. Porque os passos ecoavam pelo refeitório vazio e escuro enquanto se esperava pelas aulas de ballet. Porque havia portas e corredores e escadas que davam para recantos proibidos onde cresciam histórias e fantasmas e tudo o que não existe. Porque chovia lá fora, mas lá dentro se falava sobre contos e poemas e livros de maravilha, em aulas onde se sonhava muito – e essas aulas eu nunca hei de esquecer, pois ainda hoje são o meu modelo, e os professores que as davam aquilo a que aspiro ser, e sempre que me sinto perdida basta-me pensar “no colégio fazia-se assim” para tudo se tornar mais claro.
Natália Fernandes Costa Lima (Professora e harpista)
 
 
5.
Durante catorze anos, ininterruptamente, passei uma grande parte do meu tempo de vida no Colégio Luso-Francês. Todos os dias, de manhã, radiante de alegria, entrava pelo portão verde, onde me iam buscar à tarde, a uma hora que parecia sempre demasiado cedo. Dentro daqueles muros, fui desenvolvendo os meus sonhos e imaginando o que seria a vida “um dia”, quando a minha passagem pelo Colégio tivesse chegado ao fim. Hoje percebo que não tenho que recear esse dia, pois não há risco de ele chegar. A minha passagem pelo Colégio prolongou-se nas amizades, nas memórias e no uso diário que faço daquilo que lá recebi.
Talvez esteja diferente, hoje, o Colégio. Para mim, continua igual. Sempre igual. Um porto seguro onde posso voltar quando quero ou quando preciso. Ali recebi uma combinação de competências que me permite, a centenas de quilómetros e a vários anos de distância, não duvidar de mim própria na caminhada da vida. Ali recebi a minha instrução, mas também uma orientação moral e religiosa que me acompanha e me aconselha. Quantas vezes, em pensamento, volto à nossa Capela e peço, para os meus filhos, a mesma sorte que tive com a Casas onde cresci.
 
Luísa Tender (Pianista)
 
6.
A experiência vivida no CLF foi muita enriquecedora, não só pela elevada qualidade pedagógica, mas também pela proximidade humana e cultura de valores que caracterizam esta instituição. A chegada do meu irmão e de mim ao CLF fez-se em condições difíceis em que tudo era absolutamente novo, inclusive a língua portuguesa então totalmente desconhecida. O carinho com que fomos recebidos tanto pelas irmãs, pelos professores e sobretudo pelos outros alunos foi extraordinário e ficará para sempre na minha memória. A integração foi imediata e o novo desafio apresentado ao corpo docente foi por eles superado, não tendo sido necessário repetir nenhum ano escolar. É com um carinho muito especial que quero agradecer aos meus colegas e aos professores pela incansável dedicação e ajuda dada na altura. Hoje em dia, é com orgulho que considero muitos desses colegas e professores amigos. Um forte abraço a todos e um muito obrigado ao Colégio Luso-Francês.
 
Mathieu Neuforge (Comandante da TAP)
 
7.
 
 
Fui para o Luso-Francês com a referência de que tinha sido a escola onde a minha mãe já tinha estudado e, por isso, era já uma casa que me era familiar.
 
Recordo-me como foi o meu primeiro dia. Setembro, algures na primeira quinzena do mês, entrei no Colégio, com uma pasta que quase ultrapassava a minha capacidade física. As escadas da parte antiga, em direção ao ciclo, pareciam intermináveis, gigantes obstáculos. A sala era logo a primeira! Tinha borboletas na barriga, ali ia começar uma nova etapa, ali ia conhecer os meus amigos! Rapidamente, tudo se tornou familiar, desde dos professores até à metodologia de trabalho. Fui criando amizades que hoje permanecem como pilares.
(…) Na memória do Luso-Francês tenho pormenores, cheiros, momentos: houve dificuldades, pequenas vitórias e conquistas; houve dias de lágrimas, houve dias de euforia, houve tempo para quase tudo, desde o primeiro beijo à pela primeira negativa ou à primeira atuação de piano em público!
Joana Branco (Jornalista)
8.
Há momentos como este, em que compreendemos que há lugares em que já não cabemos, lugares de onde é preciso partir.
Gosto de pensar nas memórias como raízes. Gosto de pensar em nós como sementes.
Se algum dia aqui voltar pergunto-me se não me chegarão a aparecer os risos das crianças no recreio mesmo que não esteja lá ninguém, se não voltarei a ver-nos naqueles dias felizes, em que subíamos às árvores e esperávamos pela hora da refeição, sem tempo para mais.
Espero por estes sítios como se espera voltar a casa.
E se calhar tudo isto nem faz tanto sentido assim, mas há coisas que não se explicam, há cheiros e risos que não se esquecem, há abraços que
queimam para sempre e palavras demasiado densas por dentro de todas as recordações.
A verdade é que há momentos tão bons que nos deixam uma espécie de estigma aflitivo, como se soubéssemos para sempre que voltar atrás é voltar às mesmas pessoas.
'E agora?'
Agora, há passos que temos de dar, foi para isso que nos preparámos ao subir às árvores e partilhar o pão, porque há sempre algo a conquistar e pão a partilhar com alguém.
Entretanto há sítios a que, forçosamente, regressaremos, e mesmo que não chegue a faculdade ou o emprego ou a família, há sempre uma casa à nossa espera. Nem que seja a das nossas memórias afetivas.
Francisca Pereira (Psicóloga)
9.
O meu nome é Marina Soares. Entrei nesta casa aos 4 anos e nela permaneci até aos 18, quando terminei o ensino secundário. Frequentei a ESAD, onde me licenciei em Design de Comunicação, com mestrado em Comunicação e Publicidade, na ELISAVA, Barcelona, e trabalho atualmente no gabinete Providência Design, na nossa cidade.
Há pouco tempo fui convidada a regressar a esta casa, embora nunca a tivesse abandonado em definitivo. Quem frequenta o Luso-Francês, nunca o abandona, guarda sempre na memória os mais importantes momentos ou os mais triviais acontecimentos. Quem vive o Luso-Francês faz deste lugar uma verdadeira casa, que se torna cada vez mais sólida, porque há laços que são definitivamente inquebráveis.  
Mas, desta vez, regressei a convite da Drª Cristiana Nogueira, psicóloga e coordenadora pedagógica do ensino pré-escolar, e pela mão de uma mestra e de uma amiga, a Drª Sofia Brandão, com quem dei os primeiros e definitivos passos na área das Artes.
Se, num primeiro momento, o convite me surpreendeu, logo o entusiasmo nasceu e, em muito menos tempo, o projeto arrebatou-me por completo. Tratava-se de dar forma, ou melhor, de dar um enquadramento a desenhos dispersos, realizados por crianças de 3,4 e 5 anos que, tal como eu outrora os vira, veem os espaços do colégio com uma dimensão e uma magia que só o olhar de uma criança consegue vislumbrar. Como dizia, o arrebatamento foi tão intenso que rapidamente me tornei elas, uma delas, e já não eu, o eu deste agora, deste momento.
E, então, eu era a menina pequena que, diante do palacete tão grande, se sentia esmagada pelas suas dimensões de gigante.
Eu era a menina que, iniciada na magia da leitura, tentava descodificar o sentido oculto nas letras que formavam a palavra-passe gravada na pedra – Sêde bem-vindos.
Eu era a menina que perscrutava e tentava decifrar o significado de todas as figuras e elementos decorativos do fresco da capela, alguns já apagados pela passagem do tempo.
Eu era a menina que brincava debaixo do jacarandá que, ciclicamente, renascia num milagre de cor e que me protegia com o seu enorme chapéu de sombra.
Eu era a menina que se interrogava sobre a vida de aventura do S. Francisco de Assis, que era irmão de todos os animais, mesmo do lobo, o tal animal mau que perseguia o capuchinho vermelho.
Eu era a menina que, no mês de maio, depositava aos pés da Virgem uma flor natural ou de papel e que estava convicta que a Virgem sorria apenas e só para mim…
E, progressivamente, o convite que me foi dirigido, sem qualquer outra intenção, transformou um simples mas apaixonante trabalho técnico num exercício de memorização, de revisitação de lugares onde eu fui, apaixonadamente, criança. Fui feliz? Responderei com as palavras do grande poeta Pessoa – Fui-o outrora agora.
Espero, com esta minha viagem pelas memórias destes lugares seja também para os pais destes pequenos artistas uma viagem guiada pela emoção do traço e da cor aos lugares que os filhos frequentam e dos quais, certamente, ouvem contar histórias, mais ou menos fantásticas, mas todas elas com a marca indelével de quem viveu e vive nesta casa.
Finalmente, as minhas palavras de agradecimento. Não tão só pelo convite em cooperar num projeto que assinala os 75 anos do Colégio Luso-Francês, mas pelas memórias que esse projeto desencadeou, fazendo acordar um imaginário adormecido, sufocado pelo tumulto voraz dos dias que se atropelam e que, muito raramente, nos dão tréguas para apreciarmos o que a vida nos oferece de sonho e de encantamento.
Muito obrigada a todos que, nesta casa, me ajudaram a crescer – irmãs, professores, auxiliares, colegas – a quem eu regressei e quem reencontrei nas páginas deste livro.
 
Marina Soares (Designer)

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