domingo, 18 de maio de 2008

José Saramago - 12ºAno


Memorial do Convento, de José Saramago

Recebi mais um contributo dos alunos do 12ºAno, que me foi enviado pela Drª Auxília Ramos. Aqui o deixo:

É fruto de uma proposta de trabalho lançada à turma, após o estudo de textos seleccionados de "Memorial do Convento" que evidenciavam o comportamento dos dois pares "amorosos" do romance. Foi pedido aos alunos que fizessem uma reflexão pessoal sobre este percurso pelo romance, tendo em especial atenção dois aspectos: a condição feminina e a vivência do amor. Este trabalho é um dos resultados dessa reflexão. Adiciono também o site sobre a exposição de Saramago que contém alguns videos interessantes: http://www.imc-ip.pt/exposicao-saramago/a_exposicao.html
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“Há muitos modos de juntar um homem e uma mulher”

“D. João (…) irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou.” – Assim começa, em Memorial do Convento, uma busca desesperada de suas Altezas por um herdeiro real: D.Ana a espalhar rezas, enquanto o rei espalha bastardos.
A rainha é um mero instrumento de produção de sangue azul. O rei sobe para a cama da rainha como quem inicia um baile, e abandona-a da mesma maneira. Não dormem juntos, não falam, sabe-se que representam um dos muitos modos de “juntar um homem e uma mulher”, o que os une é por procuração. Ele não lhe confia “a casa” e ela ocupa-se com missas e novenas intermináveis, “devota parideira que veio ao mundo só para isso”. Ao aparecimento de uma filha, “não se pode ter tudo”, logo se apercebe que nascer príncipe não é o mesmo que nascer princesa.
A rainha guarda os sonhos sem que passem disso mesmo, parca de ocupações e temas de conversa com as aias, é vigiada pela família à distância e nunca adormece sem o cobertor da Áustria, com saudades de casa.
A verdade é que nem da desforra das carnes que as mulheres comuns comungam na Quaresma pode D. Ana desfrutar, por estar grávida e ser rainha, e, enquanto outras se afogam em leitos desconhecidos, a rainha adormece no meio de uma avé-maria, acompanhada pelo coro das aias.
O rei ocupa-se do reino, da mulher pouco.
Estes dois vivem de formalidades, em que tudo é como um baile, sem gestos espontâneos ou emoções. Mesmo com todas as missas, não se livraram da falta de afecto.
Mas D. Maria Ana é caso único entre as mulheres de Portugal da época. As outras fazem-se acompanhar pelas criadas “de igreja em igreja”, na Quaresma, não têm aias que rezem com elas durante a noite e o mais provável é que não façam dos seus leitos um baile. As mulheres do povo falam, aconchegam segredos por entre as esquinas, (afinal são as conversas delas que “seguram o mundo na sua órbita”), também vão a missas, mas não perdem uma festa, e correm pelos filhos e maridos quando estes são levados para Mafra – “Ó filho, a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice minha”… Impotentes, é o atributo que melhor as caracteriza perante “quanto pode um rei”.
Com Blimunda e Baltasar, “já sabemos que destes dois se amam as almas, os corpos e as vontades”, entre as lides do campo, a construção da passarola e a recolha de vontades, há sempre espaço para que Baltasar, do seu lado direito da enxerga, ampare Blimunda com a mão que lhe resta. Pouco tempo sobra, é claro, para rezas, mezinhas e missas, e no entanto afecto não lhes falta.
No dia em que se conheceram foram baptizados pelo sangue virgem de Blimunda, e não é heresia dizê-lo, porque estes dois vivem mais de Deus pelo amor com que se têm, do que suas Altezas reais com todas as avés-marias rezadas. Mesmo sendo dos que se conhecem pela revelação de uma condenada, Baltasar e Blimunda são felizes na sua religião do silêncio – “não falou Blimunda, não lhe falou Baltasar, apenas se olharam, olharem-se era a casa de ambos.”
Vivem de uma relação de amparo, ele sossega-a na sua maldição de ver por dentro as pessoas, ela ajuda-o na falta da mão – “chegando ela, acaba-se a rebelião, Ainda bem que vieste, diz Baltasar.”
Dão-se num olhar, as palavras são frias e desnecessárias no meio de todos os gestos.
Um homem e uma mulher, dois corpos, duas almas, duas vontades. Os corpos amam-se pelas vontades, e as almas assistem, como fora dos corpos.
E, de manhã, Blimunda dobra a manta com que se cobriram na manjedoura, “apenas uma mulher repetindo um gesto antigo”; é de gestos antigos que alimentam o seu amor ancestral, porque se houvesse diferença entre esse e a “santa missa”, “a missa perderia”.
Entretanto “Está luar”, e “toda a gente sabe que a noite tem outro cheiro quando faz luar”…
Francisca Pereira, 12º E

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