quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Feira do Livro 2010

Do contacto com os textos no rosto dos autores




No âmbito da última edição da Feira do Livro, o nosso Colégio recebeu os escritores Ana Luísa Amaral e Richard Zimler para uma conversa com os alunos do ensino secundário.
O desafio das palavras, a sua presença indefectível na nossa compreensão do mundo, a relação entre a identidade e a escrita, e a infinita presença do poético no quotidiano foram algumas das questões focadas por Ana Luísa Amaral, autora do recente Inversos, publicado pela Dom Quixote, que reúne toda a sua poesia, publicada entre 1990 e 2010. Inicialmente convidada a falar para os alunos do 12ºano, no contexto do estudo da estética modernista, a autora captou, igualmente, a atenção dos alunos de 11ºano, lendo e citando de memória poemas seus e de outros poetas, a fim de ilustrar alguns traços fundamentais da concepção de poético subjacente à sua escrita. Em particular, mostrou-nos que a poesia é um lugar de ilimitadas possibilidades, onde a vida vivida se transforma inevitavelmente numa pessoana vida fingida. Ana Luísa Amaral trouxe-nos, pois, mais do que conceitos – dir-se-ia, nas palavras de um poema seu, o último que leu: «mais que um horário certo/ ou uma cama bem feita» –, a presença sempre afectuosa e intensa das suas palavras, em duas sessões totalmente diferentes e igualmente inesquecíveis.
Embora o tempo tivesse sido escasso, ainda houve lugar para algum diálogo com os alunos, principalmente os de 12ºano, para quem o estudo da poesia pessoana suscitou algumas questões sobre o processo de criação poética e os inerentes e indecifráveis limites da realidade e do fingimento.
Deixamos convosco um poema há algum tempo partilhado pela Ana Luísa, numa outra sessão, num outro tempo, num outro lugar.


Irei agora carregar o tempo
de mil relâmpagos,
tempestades de agosto
e algum rio.
E nele falarei sem
sequer trovas

Habitarei as coisas de tal forma
como a lareira esguia do meu lado,
o tempo carregado de chamas
e de mim

Do tecto desta sala pendem coisas
muito antigas de usar,
mas o que mais me atrai é a chaleira:
tão de ferro e polida,
terá mais de cem anos e uma história
com águas e com tempo,
antes deste seu tecto
– e a solidão

Recorda-me a paixão ainda verde,
as chamas do inferno a consumi-la
sem nunca a destruir.
E uma noite de vento e tempestade,
com que uma vez me assassinei de amor,
e incendiei dezembro

...





Richard Zimler, acabado de chegar do Brasil com a edição deste país de Os Anagramas de Varsóvia (Oceanos, 2009), depressa transformou a sessão com os nossos alunos do 10º ano num diálogo vivo e estimulante, que transbordou muito para além das margens, já de si dúcteis, da literatura. Convidado a falar sobre a sua obra, a propósito do estudo do conto do século XX, o autor mostrou que a ficção é um universo aberto ao mundo e de onde nada pode ser excluído. Desta forma, se a conversa se iniciou, de facto, por Os Anagramas de Varsóvia (que alguns alunos mostraram ter já lido) e pelo mais recente Do Conserto do Mundo (obra de criação colectiva, na qual o autor participa, e que reúne contos sobre a miséria a pobreza modernas, no âmbito do Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e Exclusão Social), questões como as diferenças culturais entre Portugal e Estados Unidos, o prazer de viajar e as atrocidades que os seres humanos são capazes de infligir aos seus semelhantes rapidamente se tornaram incontornáveis. A sessão contou com uma participação muito activa dos nossos alunos, dado que uma parte substancial do seu tempo foi ocupada por questões. No final, decorreu a inevitável (mas sempre entusiasmante) sessão de autógrafos!

Do contacto com os textos no rosto dos autores: duas experiências estimulantes e inesquecíveis – para os alunos, para os autores e para quem mais pôde assistir!

Auxília Ramos e Hélder Moreira

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