quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Reinterpretar os clássicos

1.




Porto, 20 de janeiro de 1806


Não sei ao certo por que razão lhe escrevo esta carta, se já não está comigo. Cinco meses e dezasseis dias passaram e o sentimento que me invadiu o coração no momento em que o Senhor Simão me leu naquela carta que tinha partido demora-se no meu peito… ainda mais porque o tiraram de mim e eu estava longe! O Senhor Simão parece cada vez mais desolado. As notícias da menina Teresa são escassas, e já nem o brilho da abóbada que o alumia, nem o luar que ele respira, lhe alimentam a ânsia de chegar ao dia em que poderá sair daquele cárcere e a voltar a senti-los além daquelas grades. Costumava ir todas as noites procurar as suas estrelas no céu, com o pensamento em Teresa, que, segundo o que me contara, mantinha o apaixonado ritual. Mas não é cumprida a promessa há já três luas. E eu, que guardo em mim todo o amor que não posso viver com aquele que me chama “irmã”, não sei mais o que fazer para o esperançar… Ah, meu pai, se estivesse aqui como me poderia ajudar! … Só quero o bem daquele que amo. E se de tal feito só a bela fidalga é capaz, então eu rezo para que os dois amantes trespassem todos os embargos e consigam, finalmente, proteger-se um ao outro. Mas nem as minhas preces à Virgem Santíssima parecem ser ouvidas… No entanto, de algo tenho a certeza, meu pai: meu coração assim o diz. Este amor a que assisto é incurável. Simão e Teresa, ainda que as suas famílias não o consintam, amam-se incondicionalmente. Eternamente. E seja qual for o fado desta paixão, no fim terei a certeza que Simão amou, se perdeu e morreu amando. E que este é um verdadeiro amor de perdição. Ainda a refletir a fim de conseguir animar o Senhor Simão, suscitou-me, na manhã de domingo, quando atravessava o largo diante de cadeia da Relação aqui da cidade, a lembrança da menina Rita Castelo Branco, predileta irmã do Senhor Simão. Pobre rapariga! Deve estar tão receosa pelo mano, sem receber qualquer boa-nova… Lembrei-me de a convidar a visitar o parente, ainda que profanando a religiosa vontade de seu pai, o mestre Domingos Botelho. Mas como é situação demasiado arrojada, hesitei em comunicar-lhe a fantasia. Ainda assim, tal pensamento não terá sido em vão, pelo que me ocuparei a partir de agora de meditar sobre a ideia que, se bem sucedida, alegrará, com certeza, o Senhor Simão. Está já a aproximar-se o soar do sino. Está já a aproximar-se o momento de voltar para perto do homem que por amores morrerei. Faz-me falta, meu pai. Sem si, tenho apenas um fim: acompanhar Simão até ao seu último suspiro. Embora o que mais me apoquenta seja a incerteza dos rumos até ao desfecho deste romance. Ainda assim, acredito que o pai tenha ido ao encontro da Virgem Santíssima e que esteja a seu lado a olhar por mim e pelos dois apaixonados.
Com saudade. Sempre sua,

Mariana.
Daniela Santos, 11º C
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2




Cara Clarissa,
Espero que tudo esteja bem em Londres, que a tua vida seja a projeção dos planos que sempre tiveste para o futuro. Um destino bem delineado, com todas as linhas traçadas e todos pormenores meticulosamente pensados e repensados. Espero que a tua filha esteja com saúde e que continue a ser a pequena menina ajuizada que fora em criança. Mas não espero uma coisa: não espero que o teu casamento seja maravilhoso, não espero que sejas feliz presa a um homem que nem sequer amas. Não espero que esse senhor que dizes ser delicado e atencioso para contigo seja aquilo que aspiraste ter na vida. E digo-te mais: em muitos momentos, senti inveja desse homem que se deita contigo e contigo acorda todos os dias. Sei que ao leres isto não ficarás incrédula. Sei que não irás ficar surpreendida e, obviamente, nunca irias demonstrar tal sentimento. Afinal, as tuas ações respondem apenas a um guião, não sofrem de irreverência. Nunca tiveste um imprevisto, pois não? Não. Tenho a certeza de que nunca irias permitir tal evento. E, diz-me a verdade, amas realmente alguém? É que eu já amei tantas mulheres na minha vida. Sinto que o meu coração já viajou por muitos lugares. E, mesmo assim, nunca te esqueci. Em dia algum apaguei o teu sorriso da memória, um sorriso camuflado pela frieza que te acompanha. Em dia algum deixou de ecoar a tua voz na minha cabeça. Em dia algum se evadiu a tua esbelta imagem dos meus arquivos mentais. E sabes o que é mais curioso? É que a razão por que nunca te esqueci é porque nunca encontrei outra alma feminina que me atraísse pelo seu irreverente desprendimento ao mundo e àqueles que a rodeiam. Escrevo-te isto para te dizer que vou casar. Agora, sim, pressinto que ficaste perturbada com esta revelação. Encontrei uma mulher que nada tem a ver contigo, é doce como todas as manhãs de primavera, de uma beleza extraordinariamente comum, e é com ela que pretendo viver até ao resto dos meus dias. Preciso de paz e serenidade, aquilo que nunca me poderias ter dado. E, a partir de agora, nunca poderás. Não acho que isso te entristeça, acredito que nada disto te deixará perturbada. O que sinto é a tua revolta interior, por te saberes trocada por uma mulher que em tudo se inferioriza á tua altivez, por saberes que não a amo como te amo a ti, e mesmo assim já não és mais a minha escolha. Querida Clarissa, já nos conhecemos há tantos anos, e nunca te disse que a tua postura arrogante perante as situações e as pessoas que te acompanham só resultaram em algo de que irás aperceber no fim da tua vida. Irás morrer sozinha e abandonada, irás tornar-te escrava da tua insolência. Peço-te, sinceramente, que sejas feliz e que faças o mesmo pelos outros. E gostava de ter percebido mais cedo que, mesmo que me tivesses dado uma oportunidade para estar a teu lado, nunca te teria feito feliz. Nunca ninguém fez, nunca ninguém o fará.

Até sempre,Peter Walsh
Diana Falcão, 11ºD
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3.





Sampetersburgo, 25 de março

Querido diário,
Sabes como são aqueles momentos de indecisão entre saltar o abismo ou manter os pés em terra firme? Aquele sentimento de angústia a dominar o teu ser? Pois, eu hoje sinto-me assim… Penso que as pessoas só dão valor a algo quando o perdem. E o mesmo se aplica a mim! Nunca imaginei que um nariz fosse um elemento tão fulcral na minha vida. Agora que me separei dele, já compreendo a sua relevância. Sim, de facto, hoje o meu dia foi diferente. Acordei cedo, uma vez que os pássaros já entoavam as suas melodias matinais e, lentamente, pois não queria abandonar o conforto da cama, levantei-me para mais um dia neste mundo gélido. Porém, quando me encontrei à frente do espelho, petrifiquei. Por uns momentos, esfregava os olhos, e voltava a paralisar. Faltava alguma peça naquele “puzzle” de beleza humana…. O nariz! Aquele importante pormenor desaparecera ou desertara por algum motivo desconhecido… No entanto, a minha vida teve de continuar, com ou sem face completa. Mas como sair à rua sem que ninguém repare? Como falar com alguém sem que se indague sobre o que se sucedeu? Perante tantos dilemas e sem respostas que os solucionassem, decidi manter a rotina e avançar rumo ao desconhecido. Saí à rua, e a brisa atacou aquele incógnito espaço da minha cara. Aconcheguei-me no cachecol e continuei o meu caminho, passo a passo. Entrei numa pastelaria e pedi algo para me aquecer. O cachecol formou uma barreira entre mim e o café e, por isso, tive de o retirar. Não, não podia permitir que alguém me visse naquele estado. Paguei o café que não bebi e abandonei o estabelecimento. Refugiei-me em casa, com receio de que alguém me visse naquela abominável figura. Mantive-me encarcerado todo o dia, espreitando o mundo pela pequena janela do meu quarto. É impressionante como algo supérfluo, que por vezes tomamos por certo, nos prende a uma realidade na qual não queremos vaguear. Deixamos de ser independentes para vivenciar cada momento das nossas vidas com normalidade. Ficar sem nariz tirou-me a minha independência. E eu julgava-me dono do meu nariz!
Kavaliov

Fábia Alves, 11ºC
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4.

Crítica Literária

Uma Abelha na Chuva




Carlos Oliveira publicou esse livro, Uma Abelha na Chuva, no ano de 1953. O enredo baseia-se na relação estéril de um casal: D.Maria os Prazeres de Alva Sancho Silvestre e Álvaro Rodrigues Silvestre. A ação desenrola-se na aldeia de Montouro, durante um outono chuvoso, e é no decorrer da mesma que o leitor se apercebe de que Carlos Oliveira lança fortes críticas às injustiças existentes na sociedade e nas relações humanas do Portugal do século XX. É de notar a originalidade no começo deste romance: Álvaro Silvestre dirige-se à “Comarca” (jornal local) para implorar a publicação da sua confissão sobre todos os delitos que tinha cometido. Porém, essa confissão acaba por não ser publicada graças à entrada de D. Maria dos Prazeres. Durante o resto da narrativa, todas as personagens que entram em cena neste romance acabam, basicamente, por sentenciar os acontecimentos do dia a dia. D. Maria dos Prazeres, esposa de Álvaro Rodrigues Silvestre, foi, sem dúvida, a personagem que mais me marcou. Amargurada e descontente com o rumo que a sua vida tomou, vive constantemente infeliz e desejando outra vida para si. Nota-se, desde logo, que não nutre qualquer tipo de amor pelo seu marido e está, desde sempre, no casamento por obrigação. Sendo filha de fidalgos arruinados, a sua única alternativa era casar com um homem de uma família abastada. E assim foi. Para além disso, com o passar dos anos, um dos seus maiores desejos não se concretizou. D. Maria dos Prazeres nunca teve o seu tão desejado filho, aumentando, assim, o seu sentimento de fúria para com Álvaro. Durante a narrativa, são claros os seus sonhos com outros homens que cobiçava, no entanto, isto acontecia pelo simples facto de se demonstrar uma figura carente. Contudo, embora D.Maria dos Prazeres pense o contrário, Álvaro gostava realmente dela, algo que se vai revelar no final do livro. Na minha opinião, neste livro, as personagens desenvolvem uma espécie de metamorfose, pois as características que as definem no início do livro diferem das do fim. É, de facto, uma obra escrita com uma grande subtileza por parte de Carlos Oliveira. Será que toda a gente é quem parece? Para descobrir até à última linha…
Maria Inês Castro, 11º C




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