terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Oficina de Escrita - Diário (10ºAno)

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Um texto de José Saramago e o texto de um aluno que constitui uma resposta às questões lançadas pelo Nobel:
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Valeu a pena? Valeram a pena estes comentários, estas opiniões, estas críticas? Ficou o mundo melhor que antes? E eu, como fiquei? Isso esperava? Satisfeito com o trabalho? Responder “sim” a todas estas perguntas, ou a mesmo só a alguma delas, seria a demonstração clara de uma cegueira mental sem desculpa. E responder com um “não” sem excepções, que poderia ser? Excesso de modéstia? De resignação? Ou apenas a consciência de que qualquer obra humana não passa de uma pálida sombra da obra antes sonhada. Conta-se que Miguel Ângelo, quando terminou o Moisés que se encontra em Roma, na igreja de San Pietro in Vincoli, deu uma martelada no joelho da estátua e gritou: “Fala!” Não será preciso dizer que Moisés não falou. Moisés nunca fala. Também o que neste lugar se escreveu ao longo dos últimos meses não contém mais palavras nem mais eloquentes que as que puderam ser escritas, precisamente essas a quem o autor gostaria de pedir, apenas murmurando, “Falem, por favor, digam-me o que são, para que serviram, se para algo foi”. Calam, não respondem. Que fazer, então? Interrogar as palavras é o destino de quem escreve. Um artigo? Uma crónica? Um livro? Pois seja, já sabemos que Moisés não responderá.
José Saramago, in O Caderno de Saramago

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“Falem, por favor, digam-me o que são, para que serviram, se para algo foi”.
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Moisés não falou, pois Moisés não tinha a nossa função, o nosso poder. Para começar, não te preocupes, para algo servimos, disso te asseguramos. O “caderno de Saramago”, por nós preenchido, tem mudado as pessoas, a forma como elas pensam e, consequentemente, mudou o Mundo. E apesar de nós sermos a tua arma mais forte, o teu instrumento mais poderoso, só te queríamos dizer que Sarkozy não ficou muito agradado ao ler a crítica por nós formada.
É óbvio que responder sim a todas as perguntas que colocaste, “Valeu a pena?”, “Ficou o mundo melhor do que antes?”, etc., seria sinal de que a cegueira te tinha corroído o cérebro, sinal de pura infantilidade e ingenuidade. No entanto, também não podes mostrar a todas um redondo “Não”! Tudo o que realizaste neste diário, tudo o que expuseste, tudo o que criticaste, tudo o que disseste, tudo o que connosco fizeste serviu para algo. Às pessoas, forneceste mais do que conhecimento, mais do que cultura. Deste-lhes a tua própria visão do Mundo, a forma como ele se encontra, o que se passa em Gaza… Relembraste um grande poeta, Ángel González, mostraste que não é fácil o trabalho de um escritor. Disseste o seguinte há alguns anos: “Deus é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio”. Pois bem, tu és o silêncio do Mundo actual, o silêncio dos escritores, o silêncio das injustiças, o silêncio das incompetências presidenciais que dominam o Mundo e os homens, aqueles que se deixam levar por nós, palavras do “caderno de Saramago”, o grito que dá sentido a todos os silêncios.
Se o Mundo não mudou, a culpa não foi tua. Nossa também não terá sido, mas mais depressa nossa que tua! A culpa foi de quem se quedou indiferente perante nós, perante o nosso relato, perante o nosso anúncio. Tudo o que estava ao teu alcance, fizeste-o. Perante nós, só não mudou quem não quis. Perante nós, só não reflectiu quem não quis. Perante nós, só não pensou no Mundo quem não quis.
Para finalizar, queremos-te dizer uma última coisa. O Mundo só se modifica por causa das pessoas que nele habitam. Durante a II Guerra Mundial, o clima político, religioso, económico e social era tenso e frio. Durante o regime de 33, as pessoas com certeza não pensavam em expressar o que lhes ia na alma, a não ser que fossem suicidas. Assim, mais uma vez, o Mundo se modifica só por causa das pessoas que nele habitam. E o teu diário tem todas as potencialidades para mudar as pessoas, a forma como elas pensam e sentem. O teu caderno tem hipóteses de mudar o Mundo; nós temos hipóteses de mudar o Mundo.
Por isso te respondemos: somos as tuas mais sinceras e melhores amigas, a tua arma de mudança mais poderosa, o meio de expressão mais ouvido, a forma mais fácil e forte de lutar. Se para algo servimos? Claro! já te explicámos.
E, contudo, Moisés continua sem responder…
José Nuno 10A

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