Os alunos do 12ºano colocaram-se na pele de Alberto Caeiro, um dos heterónimos pessoanos, e traçaram o seu autorretrato. Eis alguns dos textos produzidos:
Sou Alberto Caeiro. Nasci, chorei, respirei,
vi, ouvi, cheirei, comi e bebi, adormeci, dormi e acordei, falei, senti frio e
calor, vento e chuva, caminhei, li (pouco), escrevi, sujei-me e lavei-me,
vesti, cozinhei, plantei, abri portas e gavetas, e fechei-as, penteei-me. Ainda
não morri, porque ainda sinto.
Duarte Magano, 12º ano B
*
Nunca serei mais do que aquilo que sou. As
coisas que senti, não com as emoções, mas com o que os sentidos me
transmitiram, foram o que aprendi, “Compreendi que as coisas são reais e todas
diferentes umas das outras,/Compreendi isto com os olhos, nunca com o
pensamento.” As pedras que calquei definiram-me. Fui livre na Natureza, sou o
seu poeta, “(..)fui o único poeta da Natureza.”
Encontrei a felicidade numa vida sem
ambições, “Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma”, porque as coisas simples traziam-me
a paz, eram tão comuns como o sol ou a chuva, que me faziam “(…)não ir mais
longe.”
Fui criança, tornei-me homem. Tudo tinha um
sentido, as coisas não necessitavam de explicação, eram como são e sempre
serão. A minha escrita mostra o que a vida pragmática me ensinou, um mundo
objetivo e simples, que não passa do que vejo, ouço, cheiro, sinto. E tal homem
me fiz que criança voltei a ser, “fechei os olhos e dormi”.
Beatriz Valongo 12ºano B
Alberto Caeiro desloca-se a uma escola secundária do concelho do Porto.
Chega cedo, tal como sempre, e é acompanhado a uma sala ampla onde se encontram
perto de oitenta alunos. Entra, tira a boina, sorri ligeiramente, tão
envergonhado se encontra, que isto de cantar poesia é uma coisa, mas de
contá-la é outra. Os alunos batem palmas, alguns assobiam, ao fim de um minuto
todos estão sentados e prontos para ouvir o mestre.
Começa Caeiro:
-
Meus queridos amigos, bom dia. Chamo-me Alberto Caeiro e, e, bem como devem
saber (era sempre um problema para Caeiro fitar dezenas de olhos colocados no
seu) escrevi, escrevi, hã, o Guardador de Rebanhos que é, que é, bem vocês
sabem é (risos na sala) é…
- Uma
coletânea de poemas- completa uma professora, que de pé, encostada à parede,
assistia à palestra.
- Sim
é isso, é mesmo isso - responde Caeiro atrapalhado.
Depois deste momento mais informal, a plateia concentra-se e escuta
Caeiro, que parece agora mais solto da atrapalhação inicial que dele se
apoderara.
-
Bem, meus amigos, vim aqui para vos falar do processo de criação poética. O que
eu sinto quando crio esta poesia, que nem sei se assim lhe posso chamar, é algo
de maravilhoso. Sabem eu tinha um amigo, o Fernando Pessoa, eu não sei se vocês
o conhecem, é assim um homem baixo com um bigode e uns óculos com lentes
circulares, que anda sempre de chapéu… Bem, adiante, ele tinha dores de pensar,
bem não eram dores, dores, era assim uma espécie de tristeza, que eu acho que
ele fingia aquilo tudo, só podia, porque é impossível alguém estar sempre assim
a pensar como ele. Eu acho assim um bocado esquisita essa maneira de ser, eu
que tanto gosto de sentir a realidade, de ouvir bater o ritmo das palavras como
ouço o bater do meu coração, de fazê-las correr como corre o vento que refresca
as tardes quentes de agosto, enfim de viver aquilo que sinto e sentir aquilo
que amo. Uma coisa vos digo, queridos alunos, não deixeis de confiar em vocês
próprios porque no fundo se souberdes sentir, sabereis também aprender a viver
a vossa felicidade.
Lá
fora a campainha toca. Os alunos levantam-se e, de pé, batem palmas. Uma
professora sai do meio da assembleia com um ramo de flores e entrega-o a
Caeiro. Este agradece, despede-se e sai.
Já no
corredor, inspira fundo e murmura para si próprio:
- E
assim sem pensar tenho a Terra e o Céu.
Diogo Domingos, 12º Ano D
*
Sou o Alberto Caeiro, nada mais, nada menos,
chamam-me poeta e poesia aos versos que escrevo, mas, não sou mais do que um
homem, tal como todos os outros. A minha vida baseia-se nos sentidos, dando
preferência à visão, pois é através desta que é possível conhecer realmente a
verdade, “Sei a verdade e sou feliz”. Não pedi nada nem procurei nada e, mesmo
assim, encontrei a felicidade. Nunca perdi tempo a pensar, pois é através da
visão que compreendo e percebo o mundo. Não sigo nenhuma religião dos homens,
sigo uma universal, partilhada só com as outras coisas de que este mundo está
cheio. Assim me despeço sem mais nada a acrescentar, adeus e tenham uma boa
vida.
Diogo Flávio, 12º B
*
O meu nome é Alberto Caeiro. Creio que “Sou
fácil de definir”: nasci não há muitos anos e “Nunca fui senão uma criança que
brincava.”.
Aproveito todos os dias da minha vida, amando
“as coisas sem sentimentalidade nenhuma.”. E, apercebendo-me das suas
diferenças através dos cinco sentidos, dou primazia à visão. Contudo, não
penso, isto é, não analiso e interpreto o que me rodeia, pois “Compreender (…)
com o pensamento seria achá-las todas iguais.”.
Fui feliz, porque “Nunca tive um desejo que
não pudesse realizar, (…)”, contentando-me sempre com o que me é proporcionado:
sol quando há sol e chuva quando chove. Fui, por isso, “(…) o único poeta da
Natureza.”.
Não “(…) procurei achar nada,” nem explicações
nenhumas. Não anseio por coisa nenhuma… Nem receio a morte.
Maria Francisca Cunha, 12º Ano B
*
Poesia… Escrevo poesia, mas não para os
outros, somente para mim mesmo. Não tenho um nome sonante, não fui Van Gogh ou
Fleming, limitei-me à minha insignificância de ser Alberto, Alberto Caeiro.
Preocupações? Não as tenho. Não vivo dominado pela mesma dor que angustia tudo
e todos, existo de um modo claro e puro, vivo intensamente e completo-me de uma
maneira quase absurda, mas não estou só. Não. Não estou só.
Sou ingénuo, inocente e intuitivo,
desprendo-me da emoção e sou guiado pela visão, pela objetividade e pelo
concreto. Nada procuro, porque nada tenho para procurar, tudo me é dado com um
propósito, e eu não questiono esse prepósito. Não, “Compreendo que as coisas
são reais e todas diferentes umas das outras; / Compreendi isto com os olhos,
nunca com o pensamento. / Compreender isto com o pensamento seria achá-las
todas iguais.”
Maria Ana, 12º Ano E
*
Nem sei o que escrever, sou facilmente
definido em poucas palavras. Resumindo, gosto de ver. Mas um ver sem sentimento,
como o de uma criança, um ver pagão, regido por uma religião universal. Sou uma
pessoa simples, nunca quis mais do que tenho, e o que tenho simplesmente
agrada-me. Gosto do sol e da chuva, e sou senhor de mim e do meu tempo.
Beatriz Xavier, 12º Ano A
PROCURA-SE EMPREGO
26 anos. Poeta.
Apologista da simplicidade. Descreve a
realidade objetivamente.
Intimamente ligado com a Natureza, procura
emprego na área das Letras. Preferência, nada relacionado com teorias
religiosas e filosóficas.
Verónica Cunha, 12º Ano A
*
Saudações... O meu nome é Alberto... Caeiro.
A minha vida foi simples... Tive uma infância
repleta de alegrias e brincadeiras. Estive ao sol, quando tinha que estar ao
sol, e à chuva, quando tinha que estar à chuva. Vivi desprovido de
preocupações, aproveitando a vida que o campo me proporcionou. Aprendi a olhar
para perceber, a ouvir para ver e a cheirar para conhecer... Cresci através dos
meus olhos e das minhas mãos, não através do meu pensamento e do meu coração.
Aliás, sempre compreendi tudo, “mas nunca com o pensamento”.
Quando um dia me for, quero que saibam que
“nunca tive um desejo que não pudesse realizar, (...)”.
Ana Marta Bandeira, 12º Ano B
Alguém fácil de
definir!
Ligeiro no sentir,
Beatífico sem pensamento
E com o ver como acompanhamento.
Recusa a insatisfação,
Tendo saber sem
instrução.
Olha na diferença e não na ilusão.
Criança simples e com diversão,
Abraça a simplicidade
E não questiona a complexidade.
Intitula-se como pagão,
Orienta-se ao seu agrado.
Baltasar Aroso, 12º Ano
B
*
Sou alguém “fácil de definir”, que ama “as coisas sem sentimentalidade nenhuma”, valorizando apenas o que os meus olhos veem. E estes bastam para me sentir feliz!
E nada
melhor do que a natureza para me proporcionar essa felicidade, porque é
autêntica, natural, espontânea, despertando em mim a tranquilidade de que
preciso. Assim se compreenderá porque sou avesso ao pensamento! Na verdade, ele
“deturpa” as sensações e afasta-me da criança que sempre fui e do que nela
valorizo – a sua sinceridade, frontalidade e naturalidade. Se tentar
compreender, intelectualizando, as emoções que a realidade me transmite,
desvirtuá-las-ei. Recuso tudo aquilo que não sinto no imediato, podendo,
portanto, afirmar que nunca tive “um desejo que não pudesse realizar”, que
nunca exigi “coisa nenhuma”, nem procurei “achar nada”: o que vejo e o que
sinto bastam-me!
Tenho
consciência de que o Homem, na procura constante de compreender o que o rodeia,
acaba por não viver plenamente. Preocupamo-nos em demasia em normalizar as coisas,
impedindo-nos, nós próprios, de apreciar a realidade natural que nos envolve,
como “o sol e a água” ou “o vento”, elementos naturais que venero
convictamente. Estes são a minha verdadeira “religião”, através da qual sou
inegável e simplesmente feliz!
Alberto Caeiro, 1910
José Diogo Chaves
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