domingo, 10 de maio de 2009

Oficina de Leitura 9º Ano

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Mais textos, mais turmas e mais uma professora (Drª Alexandra Martins)
Os textos que se seguem inserem-se na actividade de Oficina de Leitura. A selecção das obras é da total responsabilidade dos alunos.
Relativamente ao texto da obra Filha da Fortuna, de Isabel Allende, foi lançado aos alunos o desafio de criarem uma carta à personagem que mais os marcou ao longo da leitura, expressando a sua opinião face ao comportamento / personalidade / escolhas da personagem. Não era pedido qualquer tipo de resumo da história, apenas contextualização da personagem no enredo.
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Porto, 26 de Novembro de 2008
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Caro Joaquín Andieta,
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Escrevo-te esta carta na condição de leitora indignada, pois desde logo senti necessidade de transpor para o papel todos os sentimentos que me assaltaram aquando da leitura de “A Filha da Fortuna”, na qual te encontras expressamente proferido, Joaquín Andieta. Escrevo na veleidade de renunciar a esta espécie de ira que me assombra. Escrevo ainda na tentativa de descodificação do enigma que constitui para mim a tua vida e as atitudes que tomaste ao longo desta. Na verdade, tais acontecimentos são para mim autênticos labirintos infindáveis onde, com o decorrer da acção, se multiplicam e sobrepõem uma série de interrogações, porquês, revoltas e inquietudes inegáveis em torno das suas vivências.
Tu, enigmático Joaquín Andieta, entraste na vida da menina Eliza Sommers qual furacão inesperado. Mal a olhaste, todo o seu coração disparou e começou a bombear como jamais havia bombeado. No culminar deste olhar se dera a declarada “pirueta” na maturidade, atitudes, princípios e na própria vida da menina Eliza.
Sim, o amor era correspondido. Ou será que não? Sim, todas aquelas noites fulgorosas onde, na fugacidade de toques e carícias desesperados eram murmuradas juras de amor imperecíveis, constituíram verdadeiros pilares no amor partilhado, momentos imortalizados para ambos. Ou será que não? Estarei eu também inebriada pelo amor incansável que me era pormenorizado no constante e irresistível volver de páginas? Se assim não o é, não me considero então capaz de entender o porquê da tua partida para a Califórnia, arrastado pela viperina “febre do ouro”, em busca da riqueza material. Será possível que o eco dessa avareza tenha soado mais alto do que o sussurro da paixão fervilhosa? Suponho que sim pois, sem renunciar à avidez que te perseguia, deixaste em Valparaíso mãe doente e amante alucinada. No entanto, partiste.
Crédula, Eliza partira também para a Terra do ouro, a “Terra dos homens”, em busca do seu amor cândido que a abandonara subitamente. Porém, a única que informação que obteve fora que te havias tornado num assassino temerário e iracundo, desumano. Porquê, Joaquín?
Não tenciono com esta carta injuriar-te ou até lamentar-te. E uma vez mais o expresso, apenas senti necessidade de enlevar para o papel o que me restava de dúvidas e incertezas no que concerne ao teu amor por Eliza Sommers. Pois, por mais que lesse e relesse as páginas onde está citada a vossa história, era-me impossível entender o que havia acontecido a todos aqueles sentimentos tempestuosos que vos invadiam. Esse amor que, ora entrara como turbilhão imparável, ora sumira sem deixar encalço. Contudo, não estou em crer que essa paixão fosse um embuste insignificante. Não, era um indubitável amor sem igual. Ou será que não?
Apenas e somente como uma espécie de desabafo e sem qualquer ambição de resposta,
Uma leitora indignada,
Joana Soares 9ºA
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O texto relativo à obra O Carteiro de Pablo de Neruda constituiu um desafio ainda maior. Os alunos teriam de imaginar a abertura do volume II do livro lido. Deveriam apenas escrever a primeira página do romance, criando uma nova acção, apenas as personagens ou espaços poderiam ser repetidos.
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Retrato a lápis de
Pablo Neftalí Jimenez González
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25 de Setembro de 1973. 5:15 da madrugada. Rua 4 de Setembro. Ilha Negra. Chile.
Ao entrar naquele carro fiquei a saber que era capaz de experimentar uma panóplia de sentimentos ensurdecedores e tumultuosos. Raiva, por saber que dificilmente descobriria se a minha carta era a vencedora do concurso da revista La Quinta Rueda, visto esta, juntamente com tantas outras revistas revolucionárias, ter sido alvo de ocupação pelas tropas, assim o comunicou o locutor da rádio. Ânsia , por recear que o meu destino fosse o de muitos outros em tempo de golpe de Estado: tortura após uma cadeia de perguntas de carácter intimidante e elucidativo, por parte dos “engravatados” sentados ao pé de mim. Pavor, por temer que o prédio, que agora se afigurava do outro lado da janela imaculadamente limpa, que me separava das ruas e faces precárias da parte sul da Ilha Negra, fosse o destinatário de uma carta de sentimentos revoltosos escrita pela minha mente e alma. E todavia, serenidade, por recordar que ambos os meus Pablos se encontravam num inverso sono profundo, sendo a única diferença o acordar: enquanto que P. Neftalí acordaria para a vida terrena, que tanto fazia questão de atormentar com as suas brincadeiras, P. Neruda acordaria para uma vida eterna, repleta de poesia Negra, inspirada pelos sons terrenos da Ilha.
- Anda lá, sai. São só umas perguntas – argumentou o velho com o bigode.
Eu não sentira o carro a parar, nem a porta a abrir-se. Estava ainda envolto nos meus pensamentos. E, verdade seja dita, apesar de o ter escutado, não queria obedecer às suas ordens.
- Já vou. Um momento – e alcei a perna para fora do luxuoso carro, que contrastava perfeitamente com a pobreza em si envolto, resignado.
- Beatriz? Onde estás? – Entrei em casa. Estava vazia. Peguei na Vespa e fui à taberna da Dona Rosa.
Encostei a mota à porta. Entrei. Pablo esperava-me numa mesa, sentado a olhar impaciente para o relógio, apesar de não saber sequer os números. Quando me viu entrar, correu ao meu encontro. Ao ver o meu rosto inexprimível, perguntou-me:
- O café acabou, pai? - Sorri, pela sua ingenuidade. Não foi isso pois não, pai? – parou para pensar, algo a que nunca se tinha dado ao trabalho antes. Outro Neruda morreu, certo? – Fiquei perplexo.
- Sim, filho. Outro Neruda morreu. Como sabias?
Encolheu os ombros e foi brincar para junto da avó. Apenas 19 anos depois eu saberia a resposta. Não tive a coragem para lhe dizer que a sua infância não seria, nunca mais, igual à daqueles dias de supervisão às galinhas. No fundo, ele sabia-o. No fundo, ele não se importava.
Mariana Pinto, 9B

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