terça-feira, 15 de abril de 2008

Acordo Ortográfico

Fonte: http://www.olhares.pt/ (Autora: Emília Seabra)

Não é fácil adoptar uma posição segura e irrevogável sobre este Acordo. Mesmo entre os linguistas, a questão é polémica e muito pouco consensual. A pedido dos alunos, deixo aqui duas perspectivas distintas, publicadas no Diário de Notícias: a do escritor e eurodeputado Vasco Graça Moura e a do linguista e professor catedrático Malaca Casteleiro.
Deixo também os endereços que podem consultar para obter o texto integral do Acordo Ortográfico:

http://www.necco.ca/faq_acordo_ortografico.htm
http://www.priberam.pt/docs/AcOrtog45_73.pdf

E ainda uma reportagem da RTP sobre a Conferência do Acordo Ortográfico, que se realizou na Assembleia da República, em 7/4/2008:





ACORDO ORTOGRÁFICO: I. O RIDÍCULO
Vasco Graça Moura
Escritor


Em Junho de 1986, 20 professores do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa propuseram a renegociação do Acordo Ortográfico em conclusão da posição crítica que sobre ele tomaram. O texto de 1990 mantém quase todos os vícios que tinham levado a essa tomada de posição. Vejamos alguns, recorrendo quanto possível às expressões usadas nesse documento.O texto de 1986 "tenta englobar, de modo cumulativo e não integrado, critérios de natureza diferente que, uma vez postos em confronto, são portadores de incoerência e geradores de contradições, não constituindo por isso base rigorosa justificativa para as alterações adoptadas, ao mesmo tempo que introduz incorrecções de carácter técnico e científico". Entre essas incoerências, é apontada a invocação da "força da etimologia" (ou, acrescento, da "história das palavras") "para a mantenção do h inicial e para a forma de representação das vogais átonas, argumento que é esquecido quando se elimina o c e o p igualmente etimológicos", sem contar que o argumento está errado, pois o h inicial que se manterá pela força da etimologia "é suprimido quando essa grafia está 'consagrada pelo uso' (ex.: erva)". E ainda se recorre a outro critério para supressão do h inicial quando passa a interior, por via de composição, critério de generalização que ultrapassa a etimologia, a força e o uso.Passa-se exactamente o mesmo com o texto de 1990.O parecer criticava as facultatividades de 1986, assinalando: "Como consequência deste critério, é previsível que surjam divergências ortográficas dentro da mesma variante da língua no mesmo país, dependentes de juízos aleatórios." A crítica mantém toda a razão de ser face ao disposto na al. c) da Base IV de 1990. Acrescente--se que é perigosa a ambiguidade da referência, sem critérios seguros, às pronúncias cultas da língua, nem caracterizadas, nem identificadas, nem localizadas quanto aos oito países que a falam (só haverá pronúncias cultas em Portugal e no Brasil? e no Brasil haverá apenas uma?), nem relacionadas com as pronúncias do léxico de origem popular (aliás, o que serão pronúncias "cultas" do léxico popular?).O parecer sustentava que todas as alterações introduzidas num dado sistema gráfico deviam ser equacionadas também em função da relação entre o oral e o escrito, sendo "inaceitável que ajustes ou reformas linguísticas potenciem mudanças linguísticas em sentidos previsíveis ou imprevisíveis". Isto continua a valer quanto ao texto de 1990: o n.º 2 da Base IV, p. ex., admitindo mais facultatividades, como "amígdala,/amídala" ou "amnistiar/anistiar", abre a porta a que passe a escrever-se "anésia" em vez de "amnésia", "indenizar" em vez de "indemnizar", ou ainda "arimética" em vez de "aritmética"...Imagine-se um texto oficial a subscrever por Portugal e Brasil. Ficará assim, se falar em se "adotar um dispositivo cómodo/cômodo para o combate às deficiências higiénicas/higiênicas no fabrico de alimentos, as quais acarretam consequências negativas, não apenas económicas/econômicas, mas de todo o género/gênero, encarando-se a criação um novo grau académico/acadêmico na área da segurança alimentar". Isto resulta do consignado na Base XI, n.º 3.º. Tem consagração prática oficial no DR, I série, n.º 193, de 23.8.1991. Imaginemos outro texto: "No tocante à corrupção e aspectos conexos, perfilha-se a concepção de que somente após recepção de mais elementos informativos de facto e de direito se poderá adoptar medidas com carácter permanente neste sector."As palavras "corrupção", "aspecto", "concepção", "recepção", "facto", "carácter" e "sector" contam-se entre aquelas cuja grafia, com c ou p, é facultativa, segundo a al. c) da Base IV do Acordo.De maneira que, ao sabor de quem intervenha materialmente na negociação do texto, elas podem ser escritas com ou sem aquelas consoantes, em dezenas de combinações possíveis, o que abre a porta à mais confusa das diversidades ortográficas. A aplicação do Acordo não levará apenas ao caos no ensino nos oito países. Levará a que a língua portuguesa se cubra de ridículo no plano internacional. (Continua)

in Diário de Notícias, 6 de Fevereiro de 2008


ACORDO ORTOGRÁFICO: II. O RESTO
Vasco Graça Moura

Escritor



Recapitulemos mais uma série de pontos altamente questionáveis do Acordo Ortográfico:Foi entretanto escamoteada a necessidade de elaboração de um vocabulário ortográfico (também no tocante à terminologia científica), prévio à entrada em vigor do Acordo, tal como se exigira em 1990 e em 1994.É deficiente o corpus de 110 000 palavras tomado como base, uma vez que só o Dicionário Houaiss comporta cerca de 228 000.É inaceitável a demissão quanto a certas soluções, a começar pelo nome das letras, que não é fixado, mas apenas sugerido, sem excluir outras formas de as designar (Base I, n.º 2); amanhã, se nos der na real gana, até podemos chamar pi ao p, iks ao x e acca ao agá...No texto ocorrem mais deficiências como, entre outras, as seguintes:Na Base V, sobre a homofonia de certos grafemas consonânticos, remete-se para a "história das palavras", o que tornaria imprescindível dizer-se qual o momento a considerar no tempo. E, no n.º 2, remete-se para vocabulários ou dicionários, quando estes, ou são anteriores ao Acordo e apresentam divergências sem que nele haja critério para as resolver, ou terão de ser elaborados e ainda não existem...No n.º 2 da Base X, diz-se que o i de "bainha", "moinho" ou "rainha" constitui sílaba com a consoante seguinte. Eis umas "sílabas" tão in que não lembrariam a ninguém.No n.º 2 da Base XIII, trata-se como sufixo a terminação em "zinho" ou "zito" que corresponde ao infixo z seguido de um sufixo;As Bases XV e seguintes são confusas quanto ao emprego do hífen; aliás, na Base XV manda-se escrever Baía de Todos-os-Santos com hífen, quando, no n.º 2, e) da Base XIX se escreve Todos os Santos sem ele... Por outro lado, na Base XVII n.º 2, manda-se escrever sem hífen "hei de", "hás de", "hão de", nas formas monossilábicas do verbo haver, mas nada se diz quanto à forma "hão-no"...Na Base XX escreve-se: "as sucessões de duas consoantes, ou sejam [...], aquelas sucessões [...]. Ou sejam?No n.º 5 da Base XX chama-se "diagramas" aos dígrafos gu e qu! Nem a TLEBS vai tão longe...Será de admitir que estas bizarrias sejam solenemente ratificadas?Lembremos ainda outros pontos da crítica dos docentes da Faculdade de Letras de Lisboa.Em 1986, não foi tida em conta a preocupação de encontrar critérios de decisão e viabilidade prática da execução das soluções possíveis, nem a procura de um equilíbrio, na distribuição pelas grafias existentes, das modificações a efectuar. Em 1990, também não: veja-se, além dos exemplos dados no meu artigo anterior, o acima referido quanto ao n.º 2 da Base V, sobre o recurso a dicionários e a vocabulários para variadíssimas grafias com e, i ou o e u em sílaba átona.Criticava-se a falta de regras de adaptação para a ortografia de palavras provenientes de línguas africanas que já se tenham integrado no português (acrescente-se Timor) e de empréstimos de línguas estrangeiras. Agora, o n.º 2 da Base I não chega para tanto, pois só considera antropónimos, topónimos, siglas, símbolos e unidades de medida.Entendia-se que, para além dos contributos científicos rigorosos e imprescindíveis, haveria que promover uma discussão alargada e ainda que auscultar outras instituições, entre elas, a APE.De resto, tanto a CNALP como a Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário, oportunamente consultadas, lhe deram parecer negativo ao texto de 1990. Aguiar e Silva até se demitiu da coordenação da primeira por concluído "que, realmente, o Governo não prestava qualquer atenção ao que dizia a CNALP"...Mesmo sem se abordar a questão dos interesses culturais, políticos, económicos ou geostratégicos em jogo, qualquer leigo verifica que o Acordo não traz qualquer utilidade ou mais-valia. Enferma de muitos vícios e, a entrar em vigor, será altamente pernicioso nos mais variados planos.Sendo assim, só se vislumbra uma solução razoável, aliás próxima do presente estado de coisas: corrigir as muitas deficiências do texto e admitir como igualmente legítimas as grafias divergentes nos vários espaços da língua, as quais passariam a figurar nos dicionários e vocabulários.

in Diário de Notícias, 13 de Fevereiro de 2008


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UM NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO
João Malaca Casteleiro

Professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa
Linguista

A questão ortográfica da língua portuguesa arrasta-se há quase meio século. De facto, em 1911, com o advento da República, Portugal promoveu uma grande reforma ortográfica da língua. Infelizmente, fê-lo à revelia do Brasil, que era então o outro grande país de língua portuguesa. Ora, implantar uma reforma ortográfica constitui um acto de soberania, o qual não pode ser imposto a outro país. Mas era o que Portugal pretendia, ou seja, que o Brasil adoptasse a ortografia portuguesa de 1911, o que não aconteceu. O pecado original dessa "guerra" ortográfica reside no facto de aquela reforma não ter sido previamente acordada com o Brasil, como o exigia a defesa e promoção da língua portuguesa no mundo.Houve depois várias tentativas de unificação da ortografia do português ao longo do século XX, desenvolvidas sobretudo pela Academia das Ciências de Lisboa em conjunto com a Academia Brasileira de Letras. Em 1945 as duas academias chegaram a acordo, numa reunião em Lisboa. Desse encontro surgiu a chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mas aqui, mais uma vez a parte portuguesa cometeu um pecado capital. É que conseguiu convencer a parte brasileira a adoptar os pontos de vista portugueses, nos quais predominava a perspectiva etimológica.Assim, os brasileiros, que há muito tinham suprimido, para maior facilidade de alfabetização, as chamadas consoantes mudas ou não articuladas em palavras como "acto", "directo", "óptimo", tinham de voltar a introduzi-las na escrita. Ora isso constituía uma violência, que o Brasil não aceitou. Imagine-se como reagiriam os portugueses se agora os obrigassem a reescrever "fructo" ou "victória", com consoantes que há muito foram suprimidas! A lição que colhemos, quer de 1911, quer de 1945, é que Portugal, embora seja o berço da língua portuguesa, não é no mundo de hoje o seu único proprietário.A verdade é que, tendo falhado as duas unificações plenas tentadas em 1945 e 1986, mandava o bom senso que se procurasse uma unificação possível, menos absoluta, mas mesmo assim suficiente, para abranger cerca de 98% do léxico da língua, e necessária, para evitar que a deriva ortográfica, com oito países lusófonos, se venha a acentuar.Outra crítica que advém de certos intelectuais portugueses mais conservadores põe em causa a necessidade sequer de qualquer acordo ortográfico. Sustentam que a língua há-de evoluir nos diferentes países lusófonos e dar origem a outras línguas. Esquecem-se, no entanto, que hoje vivemos num mundo diferente do que existia no tempo, por exemplo, da difusão do latim pela România. Nesse tempo a escolarização era apenas para elites reduzidas, não havia meios de comunicação de massas, como a rádio, a televisão, os jornais. Ora, estes meios exercem hoje sobre a língua uma força centrípeta que leva à preservação da unidade essencial do idioma. Por outro lado, as instituições culturais e políticas dos países lusófonos têm todo o interesse em preservar a língua comum como elo de ligação entre todos e factor indiscutível da sua afirmação no mundo.Uma ortografia unificada torna-se absolutamente necessária às organizações internacionais onde o português é língua de trabalho, aos estabelecimentos de ensino estrangeiros onde se cultiva o nosso idioma, à difusão e promoção do livro em português nos domínios inter-lusófonos e internacional.
in Diário de Notícias, 15 de Março de 2008


2 comentários:

Anónimo disse...

realmente, lendo agora o acordo na integra, tenho de concordar que tinha algumas ideias erradas
não posso dizer que esteja inteiramente de acordo mas também já não posso dizer o contrário
estou muito mais esclarecida :)

Joana Durão

Anónimo disse...

Não posso dizer que estou plenamente de acordo,claro que para quem ja se acostumou a escrever a se pronunciar de um jeito vai haver dificuldades a se adpitar com este novo acordo,mas não é nada que nos faça ficar perdidos se tivermos força de vontade.