domingo, 12 de abril de 2009

ContAR(TE) I - 10ºAno

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Recebi alguns contos produzidos a partir de obras de Juan Muñoz, após a exposição no Museu de Serralves - JUAN MUÑOZ, UMA RETROSPECTIVA - que os alunos de 10º ano visitaram. O desafio foi lançado a partir do mote - Muñoz, "um contador de histórias" - e os alunos contaram, com palavras, histórias que o artista contou com as suas esculturas.
Dado que se tratam de textos mais longos, publicá-los-ei gradualmente, dois a dois. Aqui ficam os primeiros:
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I
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Um Ventríloquo em busca de companhia
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Mais um dia de montagem de obras-primas no Museu de Serralves, no Porto. Desta vez, Juan Moñoz. Uma noite típica de Verão faz o sol desvanecer, as estrelas aparecer, juntamente com as luzes da cidade e alguma neblina que começa a pairar nos jardins. Chega a hora do segurança do Museu dar a sua volta, fazendo-se acompanhar de uma grande lanterna que lhe ilumina o caminho, apontando-a para todos aqueles objectos sem cor, sem expressão, mas todos com forma humana. Todos lhe pareciam imóveis, sem vida, de olhos “cosidos”, no entanto, o senhor sentia-se observado. Todas as noites, tentava fazer a sua ronda com um passo precipitado até à porta de saída, pois aquelas esculturas intimidavam-no bastante, principalmente quando o Museu se encontrava sem ninguém.
Bem, de facto, o vigilante tinha razão para se sentir apavorado junto das obras de arte, uma vez que, quando todos saíam e as luzes do museu se apagavam, os pequenos homenzinhos de Juan Muñoz esticavam as pernas, terminavam com os gestos suspensos, desciam dos pedestais, tiravam as máscaras, pousavam os tambores e tomavam conta das salas desertas. Creio eu que se sentavam em círculos para jogarem às cartas, corriam pelos corredores, faziam equilibrismo nos cabos que sustentam as duas figuras suspensas e jogavam às escondidas. Alguns chinesinhos cinzentos de Many Times continuavam juntos em pequenos grupos, provavelmente conspirando sobre graves revoluções, e o anão, com ar de boneco de ventríloquo, saltava da prateleira de Wasteland e ficava ensaiando minúsculos passos de dança no pavimento geométrico, esperando que Muñoz lhe oferecesse o conforto de um par, pois era ele quem mais se sentia só. Diante das visitas sorria, demonstrava o seu ar maroto, chegando até a parecer que estava a fazer troça dos visitantes, uma vez que, devido ao pavimento da sala onde este se encontrava, era criada uma ilusão de óptica que fazia com que a escultura não aumentasse à medida que dela se aproximavam. Durante o dia, exibia a sua faceta de escultura feliz, no entanto, à noite, era excluído das brincadeiras e tentava, por isso, divertir-se sozinho a imaginar o dia em que Juan Muñoz criaria uma companheira para si, também com aspecto de boneca de ventríloquo, pois, na sua opinião, na estante em que se encontrava, ainda cabia mais uma escultura.
Numa dessas noites, o ventríloquo tentou, mais uma vez, arranjar companhia para uma dança, ou para uma brincadeira, mas estavam todos demasiado ocupados para lhe prestarem atençao. Todos tinham já os seus amigos escolhidos e ninguém estava interessado em ter mais uma companhia. Isto deixou, mais uma vez, o Boneco muito melancólico e abandonado, e, por isso, durante a noite, tomou uma decisão: na noite seguinte, iria fugir do Museu de Serralves em busca do seu criador, Juan Muñoz.
E assim foi. Após a saída do vigilante, o ventríloquo pôs os pés ao caminho, com um destino desconhecido, uma vez que não sabia do paradeiro do seu criador. A última vez que o viu tinha sido em 1987, data em que foi criado Wasteland, obra de arte da qual ele fazia parte.
Após vários e longos dias a andar a pé ou apanhando boleia, sorrateiramente, em carros, carroças, aviões e até bicicletas, chegou a Ibiza, pois tinha ouvido os seus colegas da sala ao lado comentarem qualquer coisa sobre Juan Muñoz ter ido lá passar umas férias. Cada vez estava mais perto de encontrar o seu criador, e por isso aumentava também a excitação de lhe conseguir pedir uma companhia para si...
Quando o ventríloquo passeava pelas ruas de Santa Eulária des Riu, durante uma noite escura, um jornal já velho e gasto pelos sapatinhados das pessoas voou na sua direcção e o boneco leu a notícia da primeira página: “Juan Muñoz morre com 48 anos, de ataque cardíaco, na sua casa de Verão em Santa Eulária”. Após esta breve leitura, uma lágrima escorreu pelo seu rosto (sim, as esculturas também choram), caindo sobre a folha de jornal. A sua oportunidade de ter alguém para lhe fazer companhia tinha ido por água abaixo... mas não foi só por isso que o Boneco estava triste, ele não era assim tão egocêntrico. Ele chorou, pois o seu pai, aquele que lhe dera vida, acabara de falecer. O seu mundo parecia ter desabado, tudo à sua volta parecia agora estagnado.
Mas logo pensou que os seus colegas ainda não deveriam saber desta novidade e, muito triste, tentou regressar a Portugal. Demorou vários dias... Desta vez, o caminho de volta ao Museu parecia-lhe mais comprido e mais cansativo, pois agora transportava consigo a angústia de ter perdido para sempre o seu criador.
Ao chegar a Serralves, os seus amigos abraçaram-no e beijaram-no, pois tinham sentido a falta dele. Embora ele nunca estivesse com ninguém, aquele museu sem ele perdia alguma da sua vida, perdia algum encanto, perdia alguma da magia...E, por isso, todos, muito preocupados, perguntavam, em uníssono, por onde tinha andado aquele tempo todo. O Boneco explicou-lhes a razão da sua ausência, sem avisar ninguém, e contou-lhes o que tinha descoberto durante essa longa viagem...
Dizem que a principal característica das esculturas de Juan Muñoz é a maior parte delas não ter uma expressão facial, mas, naquele momento, todas as faces pálidas se tornaram frias e carregadas de tristeza pela morte do “pai”... todas ganharam naquele momento a mesma expressão de melancolia. Todos se abraçaram e se apoiaram mutuamente.
Daí em diante, à noite, depois da visita do vigilante, juntam-se todos, sem excluírem ninguém, e, assim, o ventríloquo nunca mais pensou em arranjar uma companheira de estante.
Ana Margarida Ferreira Rodrigues, 10ºD
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II
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Viragem
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Pousei o primeiro pé, respirei pela primeira vez aquele ar, quente, pesado, meio empoeirado, e vi à minha volta as imagens dos postais e dos livros do turismo. Era igual, parecia um cenário, pronto para a representação e para acolher as palmas no final, um cenário do qual eu fazia parte.
Estava em Herat, no longínquo Afeganistão.
Percorri as ruas da cidade, eram grandes as avenidas e não havia contraste entre as cores do passeio e da estrada, era tudo feito de terra, dum pó cinzento, sombrio e sujo.
Á medida que continuava, crescia dentro de mim um desconforto, uma saudade de casa, uma lágrima no canto do olho, que disfarçava com um sorriso de curiosidade, e me roía por dentro. Cada vez mais me sentia um estranho, um turista de saco às costas e máquina na mão, à espera dum momento perfeito para guardar.
Continuei o caminho até entrar numa espécie de mercado ou de bazar, um túnel coberto por um tecto em arco, pintado por uma cor sem nome e por um laranja já envelhecido, que fazia um padrão. Para o iluminar, havia candeeiros, suspensos por uma só corda, que nos passavam tangentes à cabeça e produziam uma luz ténue e amolecida. Os vendedores de turbantes balbuciavam palavras estranhas numa voz grave e forte que me fazia estremecer e trocar os passos, que pareciam querer parar, ficar imóveis, não queriam ultrapassar a barreira do diferente.
Os meus olhos prendiam-se entre as mulheres cobertas por trapos escuros, normalmente pretos ou cinzentos carregados, cores de noite. Eram vultos, figuras fantasmagóricas que circulavam sem cara, sem identidade. Já me ia esquecer dos cânticos, gritos ofegantes, desesperados, que ressoavam em toda a cidade, indo até ao mais íntimo recanto e que serviam de aviso para a hora de culto na mesquita.
O sol começava a esconder-se e a cidade ia-se enfeitando de sombras, que me atacavam. Eram dirigidas a mim, eu sei que eram.
Acelerei o passo para deixar de ver o que me rodeava, para que todo aquele espaço passasse por mim como um filme em que eu não era o protagonista.
De repente, choquei com um velho, de barbas grisalhas, mais esbranquiçadas, com uma pele morena marcada pelas rugas que se acentuavam principalmente no contorno dos olhos e no limiar dos lábios, marcas de riso com certeza, que ainda agora não escondia
Parei, fiquei imóvel, não tive coragem de desenhar um “ desculpe” ou um “está tudo bem” - e mesmo que a tivesse não o saberia dizer. O homem percebeu, notou logo que eu era estrangeiro, e não hesitou em lançar um sorriso acompanhado por um quase fechar dos olhos que lhe enrugava todo o rosto.
Meio envergonhado, arrisquei um passo para trás, virei-me lentamente, aproveitando todo o conforto que um sorriso pode dar, e continuei a caminhar… senti os passos guiarem-me e não mais o mapa que levava na mão. E a terra que pisava já não era cinzenta, mas sim de um tom entre o amarelo e o laranja, as vozes dos comerciantes já não me magoavam, e às mulheres já lhes via os olhos…
Voltei a percorrer o bazar e já não era eu o estranho, já não era eu o turista da máquina na mão, esse eram os outros, que por ali passavam uma primeira vez.
Teresa Freitas, 10ºA

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