terça-feira, 23 de março de 2010

Dia da Poesia II

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Hoje é dia da poesia. Vi no telejornal, entre as notícias das eleições no PSD, a corrida em Lisboa e o relato do que foi ontem um grande esforço por parte de muitos dos voluntários que ajudaram a limpar Portugal. Vi hoje nas notícias, em letras gordas e salientes: DIA DA POESIA. E lá estavam eles, os “Poetas”, a ler, a juntar quase forçadamente as palavras, dando-lhes entoação, projectando a voz que as empurrava contra as paredes, agredindo-as, ferindo-as violentamente.
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Lembrei-me de trazer o assunto para o almoço, iríamos discutir Poetas, iríamos discutir a quantidade infindável de veias poéticas existentes em Portugal. Iríamos percorrer as prateleiras corridas das livrarias, nomeando, destacando, citando versos, palavras intrinsecamente ligadas, adjectivos desconhecidos, mensagens descodificáveis. Parece fácil, parece fácil ser Poeta. Talvez porque a generalização de o ser tirou o protagonismo aos que verdadeiramente o são. Tornou a capacidade banal, desculpem, não foi a capacidade que se tornou banal, mas sim os leitores menos exigentes, arrisco dizer quase mais ignorantes, apreciando a beleza de uma obra poética numa série de palavras, algemadas com correntes de aço, a única forma de não caírem por entre os versos, de não fugirem da página, de não se esconderem de vergonha. Além disso, com a taxa de desemprego em níveis elevadíssimos, os senhores compreendem, que, entre jardineiros, economistas, porteiros, cabeleireiros, há-de ser mais fácil ser artista, ser Poeta. Há-de ser mais fácil não se submeter a critérios rigorosos, a rendimentos ao fim do mês, a percentagens numéricas, a lucros; enfim, a todos os dados de natureza matemática. Há-de ser mais fácil reger-se por critérios subjectivos. Porquê? Sim, por critérios subjectivos, com sorte ainda passamos por intelectuais, com sorte a nossa escrita (que escrita?) ainda surge aos olhos dos editores como uma revolução literária, um novo género de poesia.
Depois, somos lançados no “mercado”, já nem me custa chamar mercado às livrarias, já tão fragmentadas em sectores (não de temas, que a abundância destes torna difícil a distinção), mas de cores (variando com a capa), com a edição, com o protagonista da história. Se falta o nome artístico, não faz mal, arranja-se, acrescenta-se algo de estrangeiro, as pessoas gostam, vai ver que lhe dá outro status. Fica composto, arranje-se para a fotografia, as peças estão unidas, as palavras algemadas, a única forma de não caírem por entre os versos, de não fugirem da página, de não se esconderem de vergonha… Parabéns, é “Poeta”!
Teresa Stingl, 11 A

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